A foto acima é da ginasta norte-americana Gabby Douglas. Pra quem está em órbita em algum universo paralelo (não se preocupe, isso é piada interna porque eu também vivo em alfa e perco as notícias quentinhas), a Gabby é a primeira ginasta negra a ganhar medalha de ouro numa olimpíada.
Diante de um feito desses, era pra todo mundo estar feliz da vida comemorando o pioneirismo da garota, a garra, os movimentos perfeitos, a força de vontade, certo? Errado. O que parece estar chamando a atenção, em especial da comunidade afro-norte-americana, é o cabelo da moça.
Não, queridxs, dessa vez nem é uma questão de mídia mainstream. São redes sociais mesmo, sabe? São pessoas comuns reclamando nos twitters da vida que ela bem que poderia ter dado um jeitinho nesse cabelo pra “representar” melhor a classe negra norte-americana. É a própria população aplicando bullying na moça, corroborando a nossa tese dos jogos olímpicos do machismo.
Abrindo um parêntese: é no mínimo irônico que a obsessão com a aparência das pessoas tenha atingido esse grau de perversidade. Ora, estamos tratando de um esporte notadamente conhecido por cobrar beleza e graciosidade de suas participantes. Elas precisam estar com o cabelo impecavelmente preso E maquiadas para competir. Trata-se de uma exigência (a meu ver injusta) que não passaria batido pela equipe de jurados. Ainda assim ela foi cyber-rechaçada por pessoas que, de tão colonizadas mentalmente, não percebem o teor do próprio racismo.
Abrindo um parêntese: é no mínimo irônico que a obsessão com a aparência das pessoas tenha atingido esse grau de perversidade. Ora, estamos tratando de um esporte notadamente conhecido por cobrar beleza e graciosidade de suas participantes. Elas precisam estar com o cabelo impecavelmente preso E maquiadas para competir. Trata-se de uma exigência (a meu ver injusta) que não passaria batido pela equipe de jurados. Ainda assim ela foi cyber-rechaçada por pessoas que, de tão colonizadas mentalmente, não percebem o teor do próprio racismo.
Ah, mas isso comprova que os negros é que são racistas, dirão alguns. Eu tenho preguicinha desse argumento, mas como sei que ele invariavelmente aparece sempre que há uma discussão do tipo, vamos lá: o padrão de beleza, tal como se apresenta a nós hoje, é racista. Antes que me apedrejem, vejam a continuação do argumento: porém, o racismo do padrão de beleza não é algo aberto, escancarado, arreganhado, explícito, registrado em cartório, como a galera do “você está exagerando” gostaria que fosse. É um padrão que, por se dar em graus (há vários elementos na aparência de uma pessoa que a aproxima ou a afasta de um “ideal”) sutilmente exclui diversos brancos e inclui alguns, veja bem, ALGUNS negros. É exatamente isso que dá ao padrão uma pretensa aura de neutralidade. E é por isso que seu combate é difícil, exaustivo.
No caso específico dos EUA, recentemente um movimento de aceitação das madeixas naturais vem ocorrendo e tem até mudado a vida de muitas mulheres negras. Elas estão aprendendo a gostar de si, a viverem em paz com o fato de que não correspondem a um padrão caucasiano (ou há dúvidas de que cabelos lisos e corpo esbelto com pouco quadril não exclui a grande maioria das mulheres negras e até latinas?), mas a mudança é lenta. Ainda impera por aqui a mentalidade de que cabelo não-alisado ou mal-alisado é ruim, é feio, é coisa de gente pobre. Sim, amores, o elitismo vai à mil nesses casos.
Acusam a Gabby de não estar com um cabelo “apresentável”, que faça jus à sua posição. O cabelo dela estaria mal-alisado, pois ao suar ele estaria voltando às formas naturais, o que anularia todo o seu brilhante desempenho, na cabeça doentia das pessoas. Em outras palavras, é imperativo que qualquer negra que goze de algum status na sociedade tenha um cabelo perfeitamente sedoso. Lembremos que sedoso vem de seda, uma textura completamente alheia à composição natural dos cabelos afro. Porém, se você dispõe de recursos, é possível sim atingir tal estrutura capilar. Daí gastam-se rios e rios de dinheiros com alisantes caríssimos, hidratantes potentes ou então apliques, feitos com os cabelos lisinhos indianos (que as indianas doam aos deuses em um templo lá em Tirupati, sul da Índia, para que os deuses vendam às americanas). É um negócio milionário que, a depender de uma "elite" negra norte americana, não vai parar.
Com tudo isso, eu acho importante frisar que o caso estadunidense não é um caso isolado. Não se trata de um padrão tipo, sei lá, o das indianas que depilam o braço inteiro e que dificilmente vai pegar nas brasileiras, aficionadas que são pela descoloração. Americanos ditam tendências, comportamentos (obviamente, europeizados). Por isso o backlash sofrido pela Gabby é tão preocupante. Assim como é preocupante a declaração da atriz e cantora Jennifer Hudson (a de Dreamgirls: em busca de um sonho): “Eu tenho mais orgulho de ter perdido peso do que de ter ganhado um Oscar”.
Por fim, as amarras do padrão de beleza são, além de preocupantes, algo triste e revoltante, pois, como já tratamos anteriormente, essa fiscalização intensa da aparência das mulheres é nociva, humilhante, desumana. Porque não importa o quão intelectual/forte/preparada tecnicamente uma mulher seja. Numa sociedade de valores enviesados, a beleza padronizada precede toda e qualquer habilidade que uma mulher possa vir a ter ao longo de sua vida.
Parabéns pelo texto, apesar escrito, você consegue quase imprimir sua voz nele. O mundo estaria bem melhor, acredito, se mais pessoas cultivassem se não a escrita, pelo menos a leitura de textos como esse. Informação e criticidade com clareza e dinamismo incríveis. Sorte minha q ainda o encontrei quentinho..rss
ResponderExcluirhahahha obrigada, que bom que gostou!
ExcluirAchei um texto na internet que vai totalmente ao encontro disso que você escreveu. Aqui está: http://escrevivencia.wordpress.com/2012/01/15/meu-cabelo-o-racismo-e-o-mito-da-caverna/
ResponderExcluirNossa. Obrigada mesmo pela sugestão, Rogério. Eu me vi retratada ali.
ExcluirComo escrevi alguns meses atrás, o padrão é exclusivista de propósito: http://fabianelima.com/blog/sobre-os-ativistas-negros-do-fashion-rio/
ResponderExcluirGostei muito do seu texto. Realmente a mudança não ocorre do dia para a noite, mas eu sou bem positiva quanto a manifestações diversas, inclusive essa manifestação dos negros contou com a minha simpatia. Enfim, acho que eles não conseguirão mudar nada tão cedo, mas não podemos esquecer das pequenas vitórias, que dizem respeito ao fato de várias marcas já terem percebido que as pessoas precisam se ver em determinado produto, senão não rola de consumir. Claro que exemplos são esparsos. De cabeça agora eu só consigo me lembrar da iniciativa da Dita Von Teese, que assinou uma coleção de lingerie e selecionou modelos de quase todos os tipos físicos para o seu desfile. Eu comemoro esses pequenos feitos, ainda que eu saiba que é difícil demais mudar uma cultura dessas.
ExcluirNossa, eu estou acompanhando este blog há algumas semanas, sempre encontro coisa boa escrita! Esses causos de moças negras e seus cabelos sempre me provocam uma identificação, é engraçado pois não tenho um pingo de sangue negro (meus cachos são importados do Líbano), e nunca me senti uma pessoa mais autêntica e independente do que agora, quando decidi parar de alisar... o meu não é cacheadinho, é crespão mesmo, se deixar fica um punho fechado de largura de cada lado da cabeça! Lembro com 11 anos, que minhas coleguinhas enchiam com "você não vai alisar não?". E passei a ver os cabelos das negras de outra forma também, quando tomei essa decisão... eu era do time do "cabelo ruim", é fogo. Agora reparo que tem algumas atletas do atletismo com umas senhoras cabeleiras, três punhos fechados metidos num rabo de cavalo que dá gosto de ver!
ResponderExcluirSucesso com o blog... o/
Obrigada! Meu crespo é herança negra e hoje eu posso dizer que tenho muito orgulho dele. No entanto, nem sempre foi assim, justamente pela fatídica pergunta que qualquer garota crespa/cacheada/enrolada tem que enfrentar no decorrer de sua vida: "você não vai alisar não?". Porque parece que é obrigação, né? Ah, eu preciso muito escrever mais a respeito!
ExcluirDá nojo ver que esse conceito de cabelo ruim tá tão impregnado na mente das pessoas a ponto de focarem não no mérito da garota medalhista, mas nele. ótimo texto
ResponderExcluirPois é, também me embrulha o estômago. Que bom que gostou do texto, obrigada :)
ExcluirOi, legal o texto, mas achei q você ia desenvolver mais. Apontar sugestões de como combater isso em nós e nos outros, colocar-se dentro da situação ou sei lá, formular uma conclusão. Pareceu que o texto ficou sem. Falar da insidiosidade da mídia das pessoas quando fazer parecer que tolerar/ceder espaço para um negro é o mesmo que 'não ter preconceito'.
ResponderExcluirDesculpe a falta de informação, mas você (s) tem link de blog que falem sobre feminismo e/ou ativismo dentro da temática afro?
Conclusão? Desculpa, mas conclusões não são da minha alçada. Porque eu acho ingênuo concluir alguma coisa. Pode até funcionar em vários blogs mas realmente eu não me vejo fazendo isso. Porque os temas são amplos demais. Ao publicar cada texto eu penso em mil outras formas que eu poderia ter escrito. Em mil outras questões que eu poderia ter tocado. Sinceramente, não dá pra abranger tudo e fazer textos completos. E eu acho que blogs são muito assim, sabe? A gente aqui joga pra fora o que está incomodando. Muitas vezes outras questões relacionadas aparecem nos comentários e as discussões se desenvolvem mais na caixa de comentário propriamente dita.
ExcluirVeja você, por exemplo. Não seria mais proveitoso vir aqui e falar da insidiosidade da mídia ao invés de simplesmente me cobrar isso? As pessoas exigem muita perfeição de quem tá botando a cara à tapa pra protestar contra alguma coisa. Precisamos ver se isso não é, também, uma tentativa de silenciamento :)
E eu confesso que acompanho poucos blogs que tratam da questão afro em específico. Tem o blog maravilhoso da Charô e este aqui em inglês.
Tá ok. Mas vc deve estar confundindo conclusão com verdade absoluta. Isso realmente não tem mesmo. Mas todo mundo tem uma conclusão, ainda que momentênea ou transitória sobre um assunto. Acho também que você está numa postura muito beligerante. Não estou te cobrando nada. Se minha eloqüencia te pareceu isso me desculpe, mas acho q essa sua postura tira o interesse de muitas pessoas por qualquer assunto além de tirar o foco de debater/ desenvolver um assunto para proteção de uma vaidade intelectual e tenho certeza q essa não é a intenção. Estamos pra nos unir, acho.
ResponderExcluirAcho também muito cruel apontar e interpretar tudo q se dizendo que quero te silenciar, estar contra a causa. Se fosse assim nem me dava ao trabalho de postar. Ninguém está te pedindo perfeição. Quando se tem um blog, esses questionamentos são recorrentes, não era pra ser novidade. Você só faltou terminar seu comentário com 'pare de me julgar' ou algo do tipo.
Olha, não é questão de interpretar tudo como uma tentativa de silenciamento, é questionar se nesse tipo de "sugestão" não fica implícito isso. Tenho inúmeras vaidades, mas intelectualmente falando eu posso afirmar que passo bem longe de ser vaidosa. É justamente por isso que me sinto sim julgada quando me cobram certos posicionamentos. Talvez você esteja acostumadx a textos que concluem alguma coisa, mas isso realmente não é pra mim. Nem mesmo momentaneamente eu sou capaz de concluir raciocínios (aliás, minha vida é uma inconclusão sem fim). Porém, isso não me faz ficar em cima do muro com relação a nada. Todxs que leram o meu texto e me forneceram algum tipo de feedback sentiram que meu posicionamento ficou muito claro. E se eu não terminei o comentário com um 'pare de me julgar' foi porque isso ficou óbvio no que eu disse, como você mesmx atesta. Se não foi essa a sua intenção, me desculpe, mas eu realmente me senti assim.
ExcluirFico extremamente aliviada de ver que você até discordou (e eu nem vou me apronfundar nisso pq quero mesmo é me apronfundar na questão principal e não deixar mesmo A NOSSA vaidade intelectual prevalecer nesses posts), mas a postura beligerante ficou pra trás. Vou levar isso como uma dos melhores acontecimentos de hoje.
ResponderExcluirPARABÉNS, FLÁVIA...no comments...disseste tudo...agora, se alguém acha que tem algo que não foi dito, por favor, acrescente ou discorde, mas que argumente...o que não pode é chegar e dizer que há coisas que não foram feitas e, no final, não acrescenta nada, pelo contrário, só atrapalha...como se não bastasse se esconde por trás de um anônimo...se não tem nada para adicionar, por favor, não subtraia daqueles que tentam fazer alguma coisa para que o mundo seja um lugar melhor para se viver...força e tudo de bom ai, FLÁVIA...texto maravilhoso...siga partilhando suas inquietações com todos nós...abraço....
ResponderExcluirObrigada! Na verdade eu não me chateei e nem declarei guerra contra @ anônimx. Porém pode ter parecido isso, e mais uma vez peço desculpas a elx se pareceu assim. Defendemos o direito ao anonimato, ainda que tenhamos que moderar inúmeros comentários odiosos todos os dias. Portanto, o simples fato de ter um comentário aceito aqui já significa que a gente não está declarando guerra contra a pessoa que escreveu (só esclarecendo). Abração!
ExcluirO machismo se esconde até debaixo das pedras.Apesar de saber que a questão que envolve a atleta é bem racista,apesar disso,me arrisco a dizer que qualquer coisa ligada a uma mulher sempre é alvo de machismo.Fosse ela da cor que fosse,na hora alguma coisa iam inventar para desmerecer as medalhas da moça,qualquer coisa seria dita.Já li muito sobre atletas masculinos e sua grande dedicação e empenho.As mulheres atletas sobram apenas os comentários sobre seu peso e sua aparencia.No caso de Gabrielle qualquer coisa seria motivo para desfazer sua vitória.É racismo o que aconteceu com ela,mas o machismo tem sua grande parcela na história.
ResponderExcluirConcordo, Iara. O machismo está sempre presente em tudo relacionado a mulheres querendo existir e se colocar como sujeitas no mundo. No caso da mulher negra, o desafio é duplo: além do machismo, elas precisam lidar com o racismo e isso torna a situação ainda mais cruel.
ExcluirHá quanto tempo não vejo algo tão prazerosamente escrito e lido.
ResponderExcluirParabéns pelos temas sensatamente abordadas, pela linguagem leve, concisa e, sobretudo, elegante.
A internet precisa de mais textos assim.
Flávia, parabéns! O padrão de beleza é TOTALMENTE racista. Mulheres fora do padrão (negras, orientais, índias, etc) entram no "patamar" de "bonitas" apenas porque são consideradas "exóticas" ou pq alguns têm "fetiche" por negras, mulatas, orientais, etc, etc.
ResponderExcluirFlávia, me tira uma dúvida(eu também vivo em dimensão paralela)
ResponderExcluire a Daiane dos Santos? Não ganhou algumas medalhas de ouro nessa modalidade? porque a americana é considerada a primeira?
Mais de um ano depois leio essa pergunta e venho responder hahahahaha, então, a Daiane dos Santos nunca ganhou medalha nas Olimpíadas. Ela ganhou diversos ouros em outros campeonatos como a copa do mundo de ginástica.
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