quinta-feira, 12 de junho de 2014

"O valente não é violento": prós e contras da campanha.


A campanha "O Valente não é violento" é uma iniciativa que faz parte da campanha "UNA-SE - Pelo fim da violência contra as mulheres" que é coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Uma iniciativa louvável que tem o objetivo de questionar os papéis de gênero e assim estimular uma mudança de atitudes que busca dar fim ao machismo. 

De cara, o uso da palavra "Valente" utilizado em todas as frases da campanha me incomodou. Ser valente é ser audacioso, destemido, um elogio. Por isso, inicialmente entendi que a utilização da palavra na campanha era uma forma de parabenizar o homem que respeita as mulheres e as trata como gente, o que apesar de bem intencionado, me parece bem negativo. Afinal, por que chamar de "valente",  o homem que faz o mínimo, que é tratar mulheres com respeito, sendo que isso deveria ser tratado como uma obrigação? 

Ao assistir um dos vídeos da campanha e ler a mensagem "Um homem que chora é um valente. Um homem que faz uma mulher chorar é um covarde" entendi que a palavra foi utilizada pra fazer um contraste com "Covarde".

A masculinidade é construída de forma que padroniza-se que os homens devem ser corajosos, audazes e ativos. Nessa construção, também enaltece-se a agressividade. Covarde é uma palavra oposta ao papel de gênero masculino e por isso, vista como tão ofensiva. 

A cultura em que estamos inseridos é patriarcal, logo valoriza mais as características colocadas como masculinas na construção dos papéis de gênero. Vincula-se a palavra valente à agressividade cobrada de um herói de guerra. E a palavra covarde, à passividade, ao medo. Vejo que a campanha quer desvincular a agressividade e a violência como algo masculino, ao tentar desvinculá-la de uma palavra que tem tanto clamor para a masculinidade e vinculá-la ao que considera-se ruim, que é a covardia.

Inegável que a campanha é bem intencionada, ela quer desconstruir o vínculo da valentia com a agressividade, afastando assim, a ideia de que homens devem ser grossos, agressivos, insensíveis. Mas me questiono: Como desconstruir os papéis de gêneros e modificar a cultura partindo de uma dualidade que só reforça a masculinidade?

A campanha afirma:
A iniciativa convida as pessoas a repensar e transformar os estereótipos, ou seja, as ideias pré-concebidas dos papéis sociais denominados femininos ou masculinos e das crenças sobre o que as mulheres e os homens devem ser ou fazer. Afinal, essas ideias profundamente arraigadas em nossas culturas são a base da desigualdade de gênero, da discriminação das mulheres e, consequentemente, da violência exercida contra elas. “O Valente não é Violento” quer contribuir para a erradicação das práticas culturais danosas e dos comportamentos prejudiciais às mulheres e meninas gerados por pressões de grupos sociais machistas.
Apesar da campanha ter a finalidade de repensar os estereótipos de gênero, ela parte de um. A campanha sabe o quanto essa padronização de gênero é nociva e origina discriminações e violências contra a mulher, mas ao mesmo tempo utiliza-se dela. 

Numa sociedade onde o homem que não chama mulheres de vadias e vagabundas é visto como "menos homem", em que o cara que acha que assediar mulheres na rua é algo errado é visto como um "maricas" e que para ofender um homem basta questionar sua sexualidade de forma bem homofóbica, essa campanha é um passo para a transformação ao tentar desconstruir uma série de comportamentos vistos como normais e másculos.

Excelente vídeo que chama os homens para questionar a cultura do estupro.

A questão é: continuar reforçando a masculinidade utilizando da dualidade covarde/valente tem poder transformador? Fazer uma campanha que enaltece uma característica considerada masculina não seria uma forma de continuar perpetuando ideias machistas que são tão danosas na busca de uma sociedade igualitária de fato? Sabendo que em nossa cultura valentia é algo visto como masculino e covardia, como feminino, utilizar essa dualidade não seria uma forma de reforçar a ideia de que tudo que se relaciona ao feminino é ofensa para a sociedade?

Apesar da crítica, não tiro o valor da campanha, já que o público-alvo é o típico machão que tem orgulho de ser grosseiro, assediar mulheres, ser machista e que acha que lugar de mulher é na cozinha. As frases principais da campanha são bem pensadas e tentam desconstruir comportamentos considerados normais dentro de relacionamentos, por exemplo, "O Valente não intimida, confia", "O Valente não discute, dialoga" e  "O Valente compartilha as responsabilidades do lar". Só questiono o porquê das campanhas contra a violência contra a mulher insistirem nessa fórmula de enaltecer a masculinidade para desconstruí-la. 

"O valente não é violento" perde pontos na má escolha da palavra, mas é uma campanha bem articulada que propõe que cada um faça sua parte no combate ao machismo cotidiano e que reconhece a importância de transformar a cultura. No site da campanha, é possível encontrar dados da violência contra mulheres e meninas, textos que reconhecem essa luta como uma bandeira dos direitos humanos e imagens da campanha. Um pouco melhor que o velho "homem que é homem não bate e mulher", mas ainda falha.

Questionando a campanha "Homem de verdade não bate em mulher"

6 comentários:

  1. Fico pensando se quando criam essas propagandas, eles consultam alguém que realmente pesquisa entende sobre gênero, pq me parece que todas elas, por melhor que seja a iniciativa, acaba tenho algum furo e dando mancada.

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    1. Essa campanha especificamente não me parece ter faltado consulta com quem estuda feminismo e gênero, até porque a ONU Mulheres é uma das organizadoras, sabe?

      O furo dessa campanha foi fruto do fato de que as pessoas queriam uma frase de efeito chamativa para homens, sabe? Acho que até a aliteração com a repetição dos vs mostra essa intenção, sabe? Acho super possível fazer uma boa frase "chamativa" sem reafirmar os padrões de gênero, mas na hora de organizar a campanha, acho que a questão do "público-alvo" fala mais alto e a fim de fazer a campanha ter um bom alcance escolhem esse tipo de chamada.

      O negócio é aproveitar o que a campanha tem de bom e questionar o que tem de ruim pra que não passe batido também, né?

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  2. Se parece muito com todas essas campanhas que dizem "O HOMEM DE VERDADE não bate na mulher" e variantes. Parece que o pessoal que pensa essas campanhas acredita que é um grande absurdo falar para o homem que a sua "masculinidade" é um problema.

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    1. No texto da campanha, eles afirmam que a construção dos padrões de gênero é o problema, mas reafirmam o padrão pra chamar atenção do público-alvo? Cadê a coerência?

      Achei bem melhor que "o homem de verdade não bate" porque vejo um pouco mais de reconhecimento da cultura machista como problema, mas ainda falha e no mesmo quesito.

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  3. Ah, nao vi problema nenhum na campanha. O processo de desconstrução de papeis de genero é lento mesmo, e acho que começa resignificando o proprio papel. Primeiro você muda o significado de "homem de verdade" ou de "valente" e mais na frente dilui esse significando, apontando que atributos X ou Y são atributos de toda a humanidade e nao apenas de um gênero.

    Então acho que o caminho é esse mesmo. Além do que, o objetivo de desconstruir papeis de genero é a longo prazo. O objetivo especifico dessa campanha é reduzir a violencia contra as mulheres. Se o cara desiste de bater numa mulher porque a reconhece como uma igual ou se o faz porque quer ser "valente" o resultado final é o mesmo: menos agressão. E isso é importante: as campanhas não são feitas para agradar feministas, mas para colarem no imaginário dos homens.

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    1. Anônimo, eu concordo parcialmente com você. A campanha em si é bacana e pode conseguir diminuir a violência contra a mulher, até por causa do público-alvo, sabe? Isso inclusive é dito no texto e por isso o título é "prós e contras", porque tem coisa bacana nessa campanha.

      Só que acho que é possível fazer campanhas com o mesmo objetivo e alcance sem apelar para esses clichês de gênero, sabe? E campanhas que conseguirem não reafirmar os padrões de gênero, a longo prazo, provavelmente serão ainda mais efetivas, por desconstruir melhor o ideal da masculinidade. Um exemplo de campanha bacana que consegue desconstruir sem reafirmar é justamente essa do vídeo que postei no corpo do texto.

      O ideal mesmo seria que essa campanha tivesse maior alcance, né? Será que ela tem alcançando o público-alvo? Um dos motivos que escrevi foi até pra divulgar o site, os textos do site e afins, sabe? Mesmo achando que a campanha tem uma falha.

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