O dia mais
assustador da minha vida foi assim: Era uma tarde de verão, eu havia faltado no
meu novo – e maravilhoso – emprego por ter passado mal, algo que parecia ser
meio enxaqueca, meio crise de labirintite, meio mal estar, fraqueza, falta de
ferro, enfim, estava tudo meio esquisito no meu corpo. Eu fui pegar os exames
que havia feito no começo do dia. Era bem pertinho, fui então a pé, já pensando
em depois de conferi-los passar na doceria para comer um pedaço de bolo. Eu fui
andando na rua, passando exame por exame eu cheguei a causa de meu mal-estar:
Beta HCG quantitativo.
Eu estava
grávida. E aí meu mundo caiu. Me escorei em um prédio e me agachei no chão de
uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Chorando em soluços
desesperadamente. Ali senti minha vida acabar, pensei em todo o horror que uma
gravidez inesperada representa, pensei em todos os meus sonhos sendo destruídos,
na minha vida sendo esmagada. Tudo o que eu era foi quebrado de repente com o
resultado de um exame.
Mas o
estranho nessa história é a verdade é que eu sempre quis ser mãe. Pensava em
adotar, sozinha, depois dos 30, mas de qualquer forma, queria ser mãe e nunca
escondi isso de ninguém. Minha imagem de um futuro maravilhoso sempre teve uma
criança que eu iria buscar na escola de bicicleta e que me ajudaria a pintar
uma parede da casa enquanto ouvíamos Ceumar. Mas não aconteceu assim. Aconteceu
que eu engravidei aos 20 anos e então tudo parecia perdido.
Eu me
descobri grávida na sexta-feira que antecedia o dia das mães. No domingo saímos
para jantar eu, meu irmão e minha mãe, como forma de comemoração, claro. O
garçom veio perguntar o que iríamos beber e eu me lembro exatamente da resposta
que pensei: “Eu ia pedir vinho, mas não to podendo beber, por causa da
gravidez”. Era assim, desse jeito leve e repentino que eu queria contar para
eles. Esse foi o exato momento em que eu senti qual era meu verdadeiro desejo,
foi minha epifania, na qual eu simplesmente soube que queria aquela criança. Mas
eu me calei.
Imaginei
mentalmente toda a cena: Eles com cara de surpresa, meu irmão tirando sarro da
minha cara e dizendo “bem-vinda ao clube” (ele teve filho aos 19), minha mãe me
abraçando e dizendo “parabéns”, tudo tão bonito. Mas então travei. Não era
aquilo que ia acontecer, não podia ser. Eles iam na real me detestar e dizer
que eu estraguei a minha vida. Não é isso mesmo que uma gravidez-surpresa
representa?
Nós,
mulheres jovens e solteiras somos aterrorizadas constantemente pelo fantasma da
gravidez. A carga de negatividade colocada sobre ela é muito grande. Parece que
uma gestação repentina é simplesmente o pior que pode acontecer a uma família.
Sentimos que dessa forma seremos uma vergonha, é quase que uma culpa por estar
“desonrando” nossos pais (quão ultrapassado é esse conceito se o colocarmos
dessa forma hein?).
A imagem
que rondava a minha cabeça era terrível. A de uma adolescente, irresponsável,
desinformada, descuidada e sem juízo que engravidou antes da hora. Eu não podia
ser essa adolescente. Qual é, eu fazia faculdade, era inteligente, ativista,
trabalhava e... engravidei de repente. Essa imagem da gravidez repentina tão
negativa está introjetada em nós de tal forma que nos esquecemos que, bem,
métodos anticoncepcionais falham, deslizes acontecem e guess what? Pode acontecer
com qualquer uma a qualquer momento.
Passei
então semanas chorando dentro de casa, quieta, sem explicar para ninguém o que
estava acontecendo. Sentindo que a minha vida havia acabado e que eu nunca
voltaria a ser quem eu era – tendo ou não o bebê – estava tudo perdido. Eu, que
antes disso nunca havia escondido nada da minha mãe, depois de acabar com todas
as desculpas possíveis de serem contadas quando ela me perguntava qual era o
problema, em algum momento, a beira da explosão, precisava desabafar.
Nós
sentamos e eu disse: “Tá preparada?”, ela me respondeu que sim. Quase sem
conseguir falar no meio de tanto choro contei que estava grávida, que havia
sido uma burra (pois é! Eu achava que a culpa era só minha e que só mulher
burra e desatenta engravidava), mas que daria um jeito nisso, que não ia ter o
bebê, que não ia estragar a minha vida, nem a vida dela, falei, falei, falei.
Ao final de todo o meu desabafo, traçamos o seguinte diálogo:
- Mas você já não tinha vontade de ser mãe?
- Tinha, mas não agora. Queria depois dos trinta, com tudo diferente.
- Eu entendo, mas ué se esse já está aí, por que a gente não aproveita fica com ele?
- Mas você já não tinha vontade de ser mãe?
- Tinha, mas não agora. Queria depois dos trinta, com tudo diferente.
- Eu entendo, mas ué se esse já está aí, por que a gente não aproveita fica com ele?
Calei.
- Minha
filha, eu vou te apoiar integralmente.
Segui
calada.
E foi assim,
num passe de mágica que o meu drama acabou. Toda a tristeza, a angústia o
desespero foi repentinamente tirado de mim com a mão. O apoio da minha mãe em
duas frases de repente simplificou a situação e transformou aquele monstro que
o meu imaginário tinha criado em um gatinho. Tá, eu teria um bebê mais cedo do
que esperava. E daí? As coisas quase nunca acontecem do jeito que a gente
espera mesmo.
Nós não
somos nossa capacidade reprodutiva, muito menos o que escolhemos fazer com ela.
Esse é um assunto que cabe apenas a nós. Ter filho aos 15, 30, 50 ou nunca é
apenas uma das várias decisões de nossa vida e não deve jamais ser algo usado
contra nós. Eu achava que engravidar de repente fazia de mim menos. Menos
responsável, menos digna, menos capaz, menos notável. Mas isso tudo é mentira.
Hoje eu
tenho a minha filha e tudo foi do jeitinho que eu esperava. Eu não tenho 30
anos, não temos nossa casinha, não pintamos as paredes, mas a sensação! A
sensação de liberdade, felicidade, vida que eu imaginava que teria... é
exatamente como eu pensava. De fato, o meu futuro ideal chegou, menos planejado
e muito mais cedo, mas chegou.
A minha
gravidez não diminuiu em nada quem eu era antes dela, tampouco transformou
minha vida, quem eu sou ou qualquer coisa. Somou. Sempre fui inteira, sempre
fui completa. Realizar meu desejo íntimo - e totalmente particular - de ser mãe
não me completa, me transborda.
Paula, minha querida... amo tudo que vc escreve, mas esse foi o melhor. O melhor texto, o mais sincero, o mais transparente, capaz de tocar qualquer mulher, homem, tendo ou não um filho, de qualquer idade. Não consegui conter as minhas lágrimas vendo essa última foto linda que mostra o quanto você e sua Ritinha são felizes e se completam. Esse texto transborda amor em cada linha, assim como vocês duas.
ResponderExcluirParabéns, minha querida, e feliz dia das mães, pra vc que é uma das melhores mães que eu conheço =)
Nossa! Não pude conter minhas lágrimas ao ler o seu texto. Sua história em muito se assemelha a minha, desde a descoberta da gestação até a decisão de ter o bebê. Parabéns pela forma tão firme e, ao mesmo tempo, sensível como expôs os medos e as incertezas trazidos por uma gravidez não planejada. Além disso, muito obrigada por me lembrar que a minha vida só melhorou depois que tive meu filho, hoje às vésperas do terceiro aniversário. Essa semana ouvi de um familiar as ofensas provenientes de um pensamento retrógrado e tacanho, mas com seu depoimento confesso que me senti ainda mais forte, pois percebi que não estou só, não fui a única, realmente acontece...
ResponderExcluirParabéns! Feliz dias das mães para nós!
Paula gosto do que você escreve e esse para mi particularmente é o melhor, a sua sinceridade e o fato de você escrever com o coração faz toda a diferença. Parabéns
ResponderExcluirPoucas mulheres teriam coragem de fazer o que você fez e relatar a experiencia que você passou. O que admiro em você é o orgulho que você tem da sua filha e o melhor: o amor que você tem do orgulho em tê-la. Cresci ouvindo que fui uma desgraça na vida da minha mãe e isso é um peso. Parabéns pela mulher que você é e pela filha que você tem. Acho que por mais que o filho seja planejado, nunca se está totalmente preparado.É muita transformação, é muito hormonio. E você tirou de letra! <3
ResponderExcluirTenho 4 amigas que estão passando por isso de serem mães jovens. E é exatamente assim, esse pensamento de ser menos digna... Não somente da menina que ficou grávida, mais também das outras pessoas. Vejo como muda os olhares pra cima da menina depois que ela aparece com uma barriga, e realmente parece que as pessoas pensam que a gravidez muda o que ela é, mas como você disse não é assim. Achei muito lindo e pensei em cada uma delas enquanto lia, em particular uma delas na qual eu sou mais próxima, mandei pra ela ler, ela amou. E mandarei para as outras também, parabéns pelo texto, pela experiência pela qual tu passou e pela linda filha.
ResponderExcluirMuito emocionante seu texto,que bom que deu tudo certo.Isso acontece mesmo e eu nunca tinha encontrado ninguém falando a respeito.Passei por esse terrorismo minha adolescência toda,de uma forma tão intensa,que eu tenho pavor,fobia mesmo,de ficar grávida.Nem quando eu estava casada,com condições de sustentar uma criança,(quero dizer,nem nas condições ditas 'adequadas')eu não consegui superar.E muitos pensam que é preciso 'assustar' a adolescente pra ela criar juízo,mas é terrível o que isso faz com a nossa cabeça.Foi muito bom ler sobre alguém que passou por isso e superou,vou passar seu texto para o máximo de meninas que eu conheço,para que não se prendam a um medo como eu.
ResponderExcluirRita, conheci meninas que tinham medo de perder a virgindade por medo de engravidar! Infelizmente, ainda hoje, muitas pessoas acham que a única maneira de educar é por meio do medo e não do esclarecimento.
ExcluirA parte q mais gostei dest post foi qdo vc disse q achava q engravidar antes da hora planejada faria de vc menos e que descobriu q nao é assim.
ResponderExcluirSerá q poderia publicar este texto no meu blog?Mto bom!!!
lu-ciana@hotmail.com
Luciana, você poderia nos enviar um e-mail sobre o seu interesse de publicar o texto no seu blog para o nosso e-mail? (ativismodesofa@gmail.com)
Excluir"Nós sentamos e eu disse: “Tá preparada?”, ela me respondeu que sim. Quase sem conseguir falar no meio de tanto choro contei que estava grávida, que havia sido uma burra (pois é! Eu achava que a culpa era só minha e que só mulher burra e desatenta engravidava), mas que daria um jeito nisso, que não ia ter o bebê, que não ia estragar a minha vida, nem a vida dela, falei, falei, falei. Ao final de todo o meu desabafo, traçamos o seguinte diálogo:
ResponderExcluir- Mas você já não tinha vontade de ser mãe?
- Tinha, mas não agora. Queria depois dos trinta, com tudo diferente.
- Eu entendo, mas ué se esse já está aí, por que a gente não aproveita fica com ele?
Calei.
- Minha filha, eu vou te apoiar integralmente."
Se vc, com 20 anos de idade, na faculdade, inteligente, ativista, trabalhava, e que 'engravidou de repente', precisa que sua mãe diga que vai te apoiar, para que vc decida levar a gravidez adiante, não é nem um pouco independente como quer parecer. Que adianta ser solteira, teoricamente independente e depender do apoio de outra pessoa, para realizar o seu sonho de ter um filho?
Outra coisa que me deixou pensando muito...
"mas ué se esse já está aí, por que a gente não aproveita fica com ele?"
Com todo respeito, meu marido disse a mesma coisa quando trouxe meu cachorro, que estava na rua.
Se você tem 20 anos e vive numa cultura onde a mulher que engravida solteira é julgada, humilhada e ofendida, é normal ter medo, é normal não saber como agir, é normal buscar apoio. Se você vive numa sociedade capitalista, logo você depende de dinheiro, um dinheiro que uma pessoa de 20 anos raramente tem, então é normal você buscar um apoio pra te dar mais segurança, não só emocional, como financeira.
ExcluirSe você não planeja um filhx com 20, 40, ou até 50 anos, um filhx assusta, aterroriza, sabia? Você fica com medo de não ser uma boa mãe, de não cuidar bem da criança, você tem medo de não conseguir prover as necessidades físicas, emocionais e educacionais da criança... O medo de ser mãe é super potencializado pela falta de planejamento.
Né possível que você tá preparadx pra tudo de novo que surgir na sua vida, né? Qualquer coisa, mesmo que um sonho, fora de hora, sem planejamento assusta.
Pare de julgar quem você não conhece, pare de julgar o medo que uma mulher sentiu ao descobrir que está grávida. Ainda mais uma mulher que tá grávida numa situação em que o patriarcado não aprova, né? Uma mulher que vai ter que lidar com perguntas inconvenientes, preconceito e com pessoas como você, que estão prontas para apontar dedos.
Que bom, espero que você e seu marido tenham cuidado bem do cachorrinho, com todo amor e carinho que ele merece :)
ExcluirOi, longe de mim querer tirar seus méritos, convicções e etc. Mas acho q o q contribuiu imensamente pra você enxergar sua gravidez assim foi sua mãe. Talvez essa visão tb acontecesse, mas acho q demoraria mais se vc tivesse uma mãe q nem a minha. Aliás, se vc tivesse uma mãe q nem a minha vc ia querer era cortar seus pulsos. Você não imagina o quanto eu sofri qdo ela soube (não por mim) de uma certa situação q poderia ter tirado minha virgindade. Eu tinha 10 anos e foi um horror. Entristeço só de lembrar. Não sinto vontade de ser mãe. Mas acho q a vida q levei ao lado da minha mãe também contribuiu pra isso.
ResponderExcluirSó uma pergunta: você diz q não se transforma com a vinda do seu bebê. Que soma. Isso também não é tranformação de vida e do que você é hoje? A soma? Uma pessoa tranformada porque possui algo a mais, experiências a mais? Sentimentos a mais? você tem rotinas e procedimentos q não tinha antes do bebê...não vejo como essas coisas podem não te transformar. Acho q até a situação mais corriqueira tem o poder de transformar, uma gravidez e filhx então...
Talvez a palavra no texto tenha ficado com um sentido negativo, mas acho que transformação pode ser uma coisa boa. e muito boa.
Oi meu bem! Eu concordo plenamente com você. Tanto é que fiz questão de falar sobre a minha mãe e sobre como ela simplificou o "problema" para mim. Como eu e ela sempre fomos muito próximas o apoio dela foi totalmente essencial para mim. Muita gente não precisa da mãe, dão conta sem isso. Mas com certeza é muito importante ter alguém com quem contar. Se não as coisas ficam bem mais difíceis.
ExcluirE bom, eu falei de mudança ou transformação no texto da ideia de que uma parte de nós morre para dar lugar a outra entende? A minha vida com certeza não é igual. Eu com certeza não sou igual. Mas isso não significa que a vida parou, que eu precisei me anular de alguma forma, entende? Esse mito de que ser mãe muda totalmente a nossa concepção de mundo, que passamos a ver tudo com outros olhos, isso não é verdade. Tem muita coisa diferente, mas eu não deixei de ser eu mesma entende?