terça-feira, 15 de maio de 2012

Regra número 1 do racismo: Você não fala sobre o racismo.


Elizabeth Eckford, primeira negra a ter autorização de entrar numa universidade americana. (1957). Ela teve que ser protegida  por uma escolta militar tamanha a revolta dos demais estudantes. 
Quando eu estava no ensino médio, minha sala do terceirão era composta por aproximadamente 300 alunos (pois é!). Um dia, um professor de sociologia que eu admirava muito entrou na sala e perguntou “Quem aqui é a favor de cotas raciais?” ninguém ergueu a mão. Absolutamente ninguém. Eu fui uma das pessoas que não ergueu a mão. Na hora da pergunta fiquei super em dúvida. Eu lembro de ter virado para meu colega e dito “não tenho uma opinião formada”. E não tinha mesmo, não tinha porque era totalmente ignorante no assunto. Tudo o que eu sabia é que era algo que contemplava o próprio racismo, que atestava a incompetência e que dividia a sociedade. Isso era absolutamente tudo o que eu havia ouvido até então sobre as cotas raciais. Eu lembro que a gente enviava perguntinhas por bilhetes para os professores e vez ou outra eu perguntava sobre as cotas raciais. Afinal, o governo não ia colocar algo ali simplesmente para dizer que uma pessoa negra não tem capacidade de passar no vestibular, né? Devia ter um argumento, devia ter um outro lado. Mas ninguém me falava. Nenhum professor respondeu nada além disso para as minhas perguntas. Nem para mim. Nem para nenhuma das outras quase trezentas pessoas daquela sala. Todas brancas. Ao ver a resposta da sala esse meu professor disse “vou refazer a pergunta, porque uma pessoa esqueceu de levantar a mão.” Ele refez a pergunta e levantou a própria mão. Esse professor foi a primeira pessoa que começou a elucidar para mim a questão das cotas. Ele falou rapidamente, pouca coisa, mas lembro que se posicionou no sentido de compreender que aquilo era “uma tentativa”, em suas palavras. A partir daí é que eu comecei a sair da nebulosidade que ronda a questão das cotas e começar a compreende-las. Mas foi muito tempo depois que a questão começou a ser esclarecida para mim. Com exceção desse professor, no meu colégio classe média ninguém me falou. Ninguém me explicou que as cotas geram diversidade étnica nos mais diversos setores, ninguém me disse que o objetivo das cotas é providenciar um futuro no qual não seja tão raro ver um negro professor e uma advogada de cabelo Black Power. Ninguém me possibilitou questionar por qual motivo durante a minha vida toda em escola particular eu nunca estive na mesma sala de aula que uma pessoa negra. O argumento elitista branco que sempre me foi passado foi esse simplismo raso de “racismo às avessas”, que se nega a buscar a raiz, o cerne da questão. O branco não fala sobre as cotas, porque é mais fácil opinar dessa maneira superficial a buscar explicar verdadeiramente o sentido delas e seus objetivos. Simplesmente porque isso seria admitir que vivemos em um país racista e que, provavelmente, você é uma dessas pessoas. Na superficialidade é fácil declarar-se contrário e, óbvio, doutrinar em causa própria, sem ter que encarar a profundidade do preconceito. É muito difícil explicar as cotas, porque isso significaria admiti-las e compreende-las. Onde ficaria então o nosso privilégio?

5 comentários:

  1. Aconteceu o mesmo no meu terceirão (ano passado hehe).
    Acontece que nenhum dos professores ousou ter esse ponto de vista, nem os alunos. Nós tinhamos uns dois alunos negros, mas até eles eram contra, e eu tenho muita vontade de mostrar esse tipo de conteúdo pros meus professores, que ainda dão aula e estimulam esse pensamento nos alunos.

    Ainda tenho dificuldade de entender 100% esse assunto porque acabei de sair de um Ensino Médio que era fervorosamente contra as cotas, em que era muito injusto que nós, brancos, que pudemos pagar escola particular e cursinho, tenhamos nossas vagas tiradas por pretos e pobres que não tiveram 1/3 das nossas oportunidades, que têm que estudar o dobro pra alcançar metade do que a gente alcança só por ter dinheiro e outra cor de pele. Esse discurso ainda trava na língua, mas vou aprendendo (:

    Parabéns, Paula!

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  2. ninguém quer discutir racismo, nem ouvir falar disso, nem ler sobre. o assunto é sempre marginalizado, porque a no geral, as pessoas acreditam que o racismo acabou quando os escravos foram libertados.

    Mari

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  3. Legal mesmo! Um depoimento honesto e elevado, próprio de quem tem caráter e visão. Mas forçando um pouco tua vontade, faço uma observação estética sobre essa imagem de ilustração da postagem,uma fotografia cuja cena é "estrangeira" (nossos irmão afroamericanos,hehe). Não por nacionalismo, mas por necessidade de não repetir o olhar estratégico do colonizador. A denúncia do que não se fala sobre o racismo não pode se re-produzir no como não se olha, ou se mostra, imbuído daquele olhar. Quero dizer, que há (ou houve)nas Universidades brasileiras manifestações racistas contra as cotas que produziram imagens significativas no nosso quintal dos que querem manter a Universidade brasileira com cara de Casa Grande. Tivemos há pouco o primeiro estudante negro cotista formado em medicina, e por aí vai.Força e paz!

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    1. Excelente ponto, Ricardo! Nem havia me tocado disso, muito obrigada. Prestarei mais atenção :)

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    2. Obrigada pelo comentário, Ricardo.

      (E concordo com a Paula, você tocou num excelente ponto ao dizer que temos exemplos no Brasil de como as reações racistas contra as cotas acontecem. E ainda por cima, exemplos atuais.)

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