quarta-feira, 29 de maio de 2013

Amor à vida do feto e a má fé para tratar do tema do aborto.

Novelas, livros, filmes e afins demonstram a ideologia do autor de diversas formas e inclusive muitas vezes obras de ficção são utilizadas para mostrar certos pensamentos e difundi-los. Uma cena da novela "Amor à vida" que foi transmitida no dia 28 de maio tratou do aborto como se fosse uma mera irresponsabilidade dos pais e inclusive utilizou da má fé em diversos argumentos. Apesar de ser apenas uma cena de novela, foi um desserviço enorme para a luta da descriminalização/legalização do aborto e desconstruir o que foi falado é importante para tentar minimizar o alcance dos mitos que foram difundidos ali. 

O personagem de Antônio Fagundes afirmou que o aborto mal feito é a terceira causa de morte materna no Brasil, como forma de dissuadir a mulher de tentar abortar. O uso dessa estatística como forma de dissuasão apenas é de uma má fé tremenda, porque ignora o motivo dessas mortes maternas existir, que é justamente o fato do aborto ser criminalizado e isso não impedir que mulheres busquem abortar e morrer por complicações. (E no caso, as principais vítimas dessas mortes maternas são mulheres negras e pobres). A precariedade dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil é justamente o que faz com que as mortes maternas ocasionadas pelo aborto mal feito sejam tantas, por isso se luta pelo direito ao aborto seguro para todas as mulheres, além da educação sexual e da distribuição de métodos contraceptivos e afins. 

Outra coisa bem criticável da cena é o médico se referir ao feto/embrião sempre como criança, o que é uma forma de colocar a mulher que aborta ou quer abortar como um monstro. Crianças e bebês são seres humanos já nascidos, enquanto feto é o estágio de desenvolvimento intra-uterino que leva esse nome só após oito semanas de vida embrionária. E embrião é o nome dado a fase anterior ao feto, ou seja, antes das oito semanas. 

Frases como "Você mesmo criou essa situação" que resumem a questão apenas a "Você foi irresponsável, agora lide com isso" são extremamente cruéis por ignorar que métodos contraceptivos tem chance de falhar e que infelizmente, muitas pessoas ainda não tem acesso a educação sexual de qualidade e a anticoncepcionais e médicos. Além de colocar o fruto dessa gravidez indesejada como uma punição pela irresponsabilidade. Filhos não são uma punição, encarar essa questão dessa forma, é objetificar uma pessoa já nascida, instrumentalizá-la para que a mãe daquela pessoa "aprenda". 

É necessário acrescentar que a pessoa que é punida pela sociedade caso aborte ou opte por não fazê-lo é a mulher, tanto a mulher que aborta, quanto a mãe solteira, são vítimas de constantes julgamentos, sendo que filhos não são feitos sozinhos. E o pai? Ele raramente é visto como irresponsável e só é lembrado no discurso "pró vida" quando eles são a favor da manutenção da gravidez, sendo que na realidade, muitos ao saberem que serão pais abandonam a mãe sozinha ou pressionam para que ela aborte. 

As ricas abortam, as pobres morrem.
Hipócritas!
Quando o personagem invoca o juramento que os profissionais da medicina fazem e a questão da vida como justificativa para negar fazer o aborto, ele simplesmente ignora as mortes maternas que ele mesmo sabe que são decorrentes dos abortos clandestinos. A suposta vida de um embrião tem mais valor que a vida de uma mulher adulta? Negar o direito ao aborto nos casos que são legais no Brasil também é comum. Não só médicos negam fazer o procedimento, como também hospitais. O que no caso de feto anencéfalo pode ocasionar até risco de vida para a mãe. 

Destrinchar essa cena completamente daria um texto enorme, porque além de tratarmos da questão do aborto sob a ótica da saúde pública, também seria necessário tratar da autonomia da mulher, mas antes de finalizar o texto, queria destacar que o comentário do personagem médico a respeito da paciente contar para o pai sobre a gravidez para que quem sabe isso fomentar um relacionamento duradouro. É inacreditável essa fala simplesmente porque ele fez um juízo de valor a respeito da vida sexual da paciente e acha que seguir com uma gravidez indesejada pode ajudar num relacionamento, como se isso fosse uma solução mágica. E inclusive, é só nesse momento, que o personagem de Antônio Fagundes lembra que aquele embrião tem um pai e fala nele, sem em nenhum momento julgá-lo. 

Imagem da page Médico Legal.
*Não só mulheres podem engravidar, homens trans e pessoas não binárias que tem útero também podem. Logo, todos os direitos defendidos pelo texto, como o aborto seguro e educação sexual, se estendem a essas pessoas.
*Quem quiser ver a cena em questão, é só clicar nesse aqui. A cena se inicia aos 56 segundos. No dia 29 de maio, a cena teve uma continuação completamente irreal, para conferir é só clicar aqui e ela começa aos 8 minutos e 6 segundos. 
*A objeção de consciência é um direito do profissional de negar realizar certos procedimentos, como os casos de aborto é legalizado no Brasil (casos de gravidez de feto anencéfalo, por exemplo). Mas hospitais se negarem a realizar o procedimento podem ser acionados na justiça. Na cena, o que aconteceu não foi um caso de objeção de consciência, visto que há diversos julgamentos implícitos na fala do personagem e também porque a paciente buscou um procedimento não legalizado no Brasil. 
*Posteriormente na novela, houve uma cena favorável a legalização do aborto. A cena e nossos comentários a respeito dela se encontram nesse link

Lei é eficaz para matar mulher, diz especialista.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A rua também é minha - a misoginia no trânsito

Olá! Inicio a postagem, e minha participação nesse blog, me apresentando. Sou Kelly, de apelido Kel (use esse meu codinome, por favor), tenho a sensação eterna de inadequação e insatisfação, sou feminista, acredito que a dignidade só é plena quando somos livres e iguais. E agora sou uma ativista de sofá.

Ah, me esqueci de uma característica. Sou boa motorista. Apesar do pavor de dirigir em engarrafamentos. E fazer balizas. E de não ter senso direção sem o uso de GPS. Talvez eu não seja assim tão boa, apesar de cautelosa. Mas, por favor, eu não represento todo o gênero feminino no trânsito. Então, não queira ofender todas as mulheres, se eu cometer algum deslize, gritando para mim algo como “tinha que ser mulher”.

O trânsito é um ambiente selvagem. Essa mesma abordagem já foi realizada, com maestria, aquiMotoristas, de todos os gêneros, agindo de modo egocêntrico, desrespeitando regras e cometendo falhas. Conhece o icônico desenho em que Pateta se transforma em "Motorista Diabólico" ao administrar o volante? 

É fácil notar que, apesar de ser o trânsito um ambiente público, o interior do veículo é o espaço privado dxs indivíduos. Quem nunca lidou com a raiva de algumx motorista que decidiu compartilhar seu gosto musical nas ruas? Ou umx motorista asseadx que não tira o dedo do nariz? Fácil lembrar de alguns tipos caricatos de motoristas. Certamente você me apontaria muitos. A psicóloga especialista em trânsito Neuza Corassa elaborou um rol de tipos de principais motorista. Tente se reconhecer.



A solução para o caos no trânsito parece cada dia mais inalcançável, com o aumento do número de carros circulando nas ruas (e a diminuição do IPI), a conservação inadequada das vias e incapacidade da turma que gerencia o tráfego. Um fato. Mas, e na parte que cabe à civilidade dxs motoristas? Comportamento adequado dos usuários não amenizaria o problema? Ver o trânsito como um ambiente de compartilhamento e não de competição?

Sim, competição! De quem tem maior poder financeiro, ou de quem é mais másculo, ou de quem é mais independente, ou de quem é mais impetuoso, ou de quem tem o espírito mais jovem, ou de quem não leva desaforo para casa. Uma rinha. É ambiente público, logo de dominação masculina. Com muitos aspectos que caracterizam a presença feminina como uma intrusão.

O elemento não humano essencial ao trânsito é o veículo. Ele não é mero objeto funcional que cuida do deslocamento das pessoas, é o ícone máximo do consumismo. A materialização do poder alcançado, do espírito indomável, do desempenho, indicativo de posição social. A combinação ideal para o másculo motorista, proativo, racional e invencível. 

Soma-se a isso a ideia de exclusividade, mesmo que a maior parte da população só tenha acesso a carros produzidos em série. A sensação de que se é especial pode ser suprida pela presença de belas mulheres, como troféu. O que importa é causar competição e provar masculinidade. Já ouviu a saga do rapaz que teve seus problemas afetivos resolvidos com a aquisição de um Camaro Amarelo? Foi essa a resposta de Gabriel Gava. Na humildade. 

"De Land Rover é fácil, é mole, é lindo
Quero ver jogar a gata no fundo da Fiorino"

Quando direcionado ao público o feminino, as características são outras. Um carro para pequenas distância, algo entre fazer compras e buscar as crianças na escola. Com linhas arrendondadas, de preferência  pequeno, fácil de estacionar. A publicidade da Ferrari, é muito elucidativa. Enquanto ele se aventura velozmente por pistas arborizadas ou rochosas, ela cautelosamente guia pelo trânsito urbano, em busca de objetos de luxo.


"Mulheres dirigem, essa é uma realidade, o que mais vocês querem?" - dirão alguns tentando nos silenciar. Mas, o papel de motorista ou passageira pode estar condicionado à presença masculina. Já observou que, dentre casais heterossexuais que saem juntos, raramente é a mulher que guia? E que às mulheres não costumam ser ensinadas, no processo de instrução pré habilitação, a parte mecânica além daquelas enfadonhas aulas teóricas do Centro de Formação do Condutor? Ou mesmo que em muitas famílias a única tarefa doméstica que é declinada ao homem é a de lavar o carro? 

A cobrança, interna e de toda a sociedade, é imensa. As estatísticas apontam a mulher como motorista que menos causa acidente. Ah, e claro, há até aquela compensação de um preço menor no seguro por ser uma "boa menina". 

Extreme de dúvidas que a mulher é socialmente considerada incapaz de dirigir com a mesma destreza dos homens. A cada mulher que apresenta dificuldade de dirigir há uma consequência: todo o gênero feminino é diminuído, ridicularizado.

Consequência disso é que dxs motoristas fóbicxs, lá daquele quadro elaborado pela especialista em trânsito, a maioria são mulheres. Uma segurança alimentada constantemente, pelos brinquedos, pela tevê, pelas convenções sociais e por piadas. Que, espero, você, leitorx desse blog, não reproduza nunca mais.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A famigerada mini blusa

Cropped é para todxs! Fonte da foto aqui

Às vezes nosso receio de usar determinadas roupas que achamos bonitas, assumir certas preferências, se comportar diferente do esperado são apenas sintomas de certas prisões que a gente se encontra. Para ilustrar, compartilho uma história boba da minha trajetória para finalmente usar um modelo de blusa chamado "cropped", que é um estilo de mini blusa.

Eu desejei usar uma dessas blusinhas por muito tempo. Via outras pessoas usando e achava lindo, mas sempre arrumava uma desculpa para eu não procurar uma para usar. Sempre afastava a blusinha do pensamento alegando que "esse estilo de roupa é para outras, não combina muito comigo". Por mais que eu afirmasse que não combinava comigo, eu continuava a achar bonito e a querer usar, mas faltava algo. Faltava coragem.

E de repente constatei que a falta de coragem inexplicável era um medo das pessoas constatarem que eu não era uma "moça tradicional", a famosa "moça de família". Eu percebi que dentro de mim ainda há diversos fragmentos da tradicional família mineira e um deles era esse medo inconsciente de ser "confundida" com uma vadia. E eu que já há muito tempo digo que roupa não define caráter, que um vestido curto é só um vestido curto e eu que sempre usei shortinhos e vestidinhos pra sair me vi numa prisão que já imaginava ter me livrado a tempos.

A história é sempre a mesma: a gente deixa de passar um batom vermelho que achamos lindo com medo das pessoas acharem que somos vulgares, a gente abandona o shortinho, a blusinha, o vestidinho, as cores fortes. A gente segura as estribeiras na hora de dançar, rir, chorar. E devagarinho, quase sem a gente ver, a gente tá abandonando uma vida inteira de pequenas coisas. Tudo que a gente gostaria de fazer, mas teme, vai ficando para trás.

Há também aquela vontade enorme de deixar de fazer algo que encontra muitas vezes até mais resistência da nossa parte e da sociedade. Um exemplo é a depilação: muita gente não gosta de se depilar, sente dor, tem alergia, se coça toda, mas continua fazendo por receio. Por medo de ser julgada, ser ofendida e por sentir que se achará feia sem se depilar e etc. Enfrentar ou não esses nossos receios é uma decisão que devemos tomar conhecendo bem as origens desse medo e também o tamanho da vontade de dizer sim ao que você quer fazer.

Enquanto isso, se você procura "cropped" no google, há dezenas de textos explicando "como usar". E eles criam regras e mais regras, "proíbem" certos corpos de usarem, zombam de quem é diferente do padrão de beleza e usa peças proibidas mesmo assim, colocam limites do quanto você pode mostrar e repetem a exaustão a famosa frase "assim você fica sexy, sem ser vulgar".

E onde quer que você vá, você vai encontrar regras e mais regras de como usar determinadas roupas, quem pode usar, o que é bonito, o que é feio, o que é anti-higiênico, o que é vulgar, e por ai vai. E de tanto ouvir essas estúpidas regras, a gente se abandona.

Bons links: Documentário "My body, my hair" (Meu corpo, meu pêlo) sobre mulheres que decidiram manter seus pêlos corporais filmado em Londres, Inglaterra. 

sábado, 18 de maio de 2013

Tentativas de silenciamento: mulheres caladas agradam o patriarcado.


Quem milita pelo feminismo (ou outras causas) e é mulher já ouviu muitas vezes algumas frases que mesmo sendo completamente diferentes querem dizer "cala a boca". Tais frases são uma tentativa de desqualificar nosso discurso e nos calar.

A Lídia Freitas escreveu um texto sobre uma das formas de tentar nos silenciar que foi publicado como guestpost aqui, nele ela fala sobre feministas serem consideradas chatas e os lugares da fala. Mas as tentativas de silenciamento são várias e eu decidi que vale a pena destrinchá-las.

Chamar de histérica, irracional, agressiva, louca do útero, e perguntar se você está de TPM são desqualificações de discursos muito comuns se você é uma mulher cis e parte de uma ideia de que o organismo dito feminino é instável, beira a loucura e afins. Um discurso antigo, que sempre retorna com a finalidade de colocar as mulheres como inferiores. Aparentemente, quem usa qualquer uma dessas palavras numa discussão, desqualifica sua voz simplesmente por você ter o organismo dito feminino e acredita que tudo que você diz é fruto de "seus hormônios loucos".

Outra tentativa de silenciamento muito comum é quando começam a opinar sobre sua aparência física, inclusive às vezes acontece desse silenciamento ocorrer em forma de (um suposto) elogio. Exemplo: "Você é bonita para uma feminista". Mas o mais comum acontece com fins de ofender mesmo: avaliam seu corpo, seu rosto, seu peso, sua altura, seu cabelo, suas roupas, se você se depila ou não etc. Esse tipo de desqualificação é sintomática, mostra como mulheres tem uma função essencial na nossa sociedade: a de enfeitar e como os homens acreditam que suas opiniões sobre nossa aparência PRECISAM ser faladas.

Há formas não óbvias de deslegitimar o discurso proferido por uma mulher como o paternalismo. Nesses casos, o machista só quer seu bem, ele diz que sua militância é coisa de mulher chata, que vai afastar os homens (como se todas nós fôssemos hétero, né? E como se a gente PRECISASSE de homens para conseguir ter uma vida com sentido). O paternalismo muitas vezes se desdobra nos supostos elogios do tópico acima. E muitas vezes são puros exemplos de mainsplain/homexplicanismo.

Queria comentar também do famoso "você é muito racional para uma mulher" que surge em alguns debates. É um suposto elogio extremamente misógino que me lembra a infância. Sabe quando você, menina, ganhava em algum jogo de um menino e todo mundo zombava dele porque ele perdeu de uma menina? Então. Misoginia e machismo sendo ensinados desde cedo e que se desdobram nesses "para uma mulher, você até tem tal qualidade".

Há também o "você precisa de pica", "você precisa de um homem", que eu considero assustadores. Essa visão de que uma mulher que profere um discurso precisa de pênis tem muito a ver com a cultura do estupro. Afinal, o pênis seria uma forma de corrigir/punir/ a mulher que está fora de seu lugar e assim ensiná-la seu devido lugar. Acho assustador, além de heteronormativo e transfóbico. E também há o "mal amada" e o "mal comida", que mais uma vez nos resume a apenas complementos dos homens, como se todos nossos sentimentos, insatisfações, sonhos e medos se resumissem a isso.

E claro, tem a versão imatura dessas tentativas de silenciamento (não que as outras não sejam), como o "vai lavar louça/roupa". chamar de vadia e outros termos do tipo, que só demonstram como que a voz das mulheres não é desejada, esperada e bem vista. Mulher boa é a mulher calada. A mulher que não denuncia, não reclama e se fala, só concorda com o status quo.
Alguns tweets que são a base desse texto.

Na história, muitas palavras foram usadas para se referir às mulheres para desqualificá-las: quando queríamos votar e participar da política, isso nos era vedado com as mais diversas justificativas: as paternalistas como "vocês são puras demais para esse assunto" e "nós só queremos proteger vocês desse mundo", as misóginas e machistas que simplesmente diziam que não servíamos para isso, que isso nos distrairia das nossas "reais funções", como o cuidado da casa e dos filhos. E também havia quem colocava o útero, o ovário e afins como um impedimento para que mulheres fossem racionais. As tentativas de silenciamento não ficaram no passado, infelizmente ainda são atuais o suficiente pra gente sempre ter que se lembrar que não devemos nos calar.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Comer é necessário, Vogue.

"Uma cultura obcecada por magreza feminina não é obcecada pela beleza da mulher, mas sim pela obediência feminina. A dieta é o sedativo político mais potente na história da mulher, uma população levemente louca é uma população dócil". - Naomi Wolf


O Dia Internacional Sem Dieta acontece todo seis de maio e simboliza um pouco da luta das vítimas de transtornos alimentares para se curarem. Esse dia propõe celebrar a aceitação de todos os tipos de corpos e questionar o padrão de beleza e as discriminações decorrentes dele, como a gordofobia.

Enquanto a existência dessa data especial demonstra uma preocupação com os transtornos alimentares e suas vítimas, a sociedade continua a alimentar justamente o contrário que essa data prega: uma exaltação ao corpo magro, um incentivo às dietas e obsessões com o corpo inatingíveis. E é por isso que repudiamos a publicação da Revista Vogue intitulada "Comer pra quê? Fazer jejum está na moda. Saiba mais sobre a dieta da vez".

Irresponsável, prejudicial, lamentável é o mínimo que se pode dizer sobre essa reportagem que já no título tenta vender uma dieta que questiona a necessidade de comer. Dizer que ficar sem comer está na moda é glamourizar um sintoma frequente de anorexia e banalizar essa doença que atinge diversas pessoas, principalmente mulheres jovens. A nova tendência da moda é a de sempre: incentivar a busca por um ideal de corpo inalcançável, a qualquer custo. E a Vogue aprova e publica, mas sem esquecer de adicionar um "Só faça se tiver acompanhamento médico", como se adicionar essas palavras fizesse desaparecer a irresponsabilidade da publicação. Dizer que ficar sem comer dez dias do mês é válido é fazer uma campanha contra a saúde das mulheres.

O uso da palavra jejum para designar a dieta é fácil de relacionar com a ideia de penitência. A mulher é sempre condicionada a sofrer em nome de diversas coisas: por amor e pela beleza são as principais. Incentivar dietas altamente restritivas em nome de um ideal de beleza é colaborar com a ideia de que o sacrifício, por ambos, está ligado ao que é desejável para a mulher no patriarcado. A mulher que não se sacrifica é vista como desleixada e preguiçosa, coloca-se a dor e o sofrimento como uma motivação para a buscar ainda mais o ideal. E esse estigma não atinge só mulheres necessariamente, já que a sociedade vê todos que estão acima do peso como preguiçosos e trata de culpá-los e dizer que o sacrifício deles não é suficiente, alimentando ainda mais essa cultura de ódio a diversidade de corpos e sua consequência: oito milhões de estadunidenses (sete milhões mulheres) tem algum distúrbio alimentar. Um número incerto, visto que a maior parte das vítimas desses distúrbios não buscam tratamento e assim não fazem parte das estatísticas.

Garotas veem mais de 400 propagandas por dia
que dizem como elas devem aparentar.

O corpo designado feminino é alvo de muito ódio: ele é objetificado, só valorizado se considerado bonito, o cheiro que advem dele é considerado ruim e os pêlos que o cobrem vistos como anti higiênicos. A sociedade aponta defeitos em nossos corpos o tempo todo. E esse incentivo insano à dietas é mais uma face dessa misoginia.

E a Vogue, junto com outros veículos midiáticos, diz que é necessário ser magra a qualquer custo o tempo todo. Dizem isso através de fotos e matérias que dizem que só a magra pode vestir as roupas daqueles editoriais, que apenas a magra é bonita e feliz, reportagens que incentivam dietas, propagandas "vendendo" remédios de emagrecimento como se fossem inofensivos ou dizendo "comer pra quê?". Enquanto isso mais e mais mulheres aprendem e continuam a se odiar e a pensar que o "qualquer custo" é um preço justo a se pagar. 

E o Ativismo de Sofá repudia não só essa publicação, mas todas as que concordam com essa cultura de ódio.