sábado, 14 de abril de 2012

Uma vitória de todas as mulheres.



Em 12 de abril de 2012, o STF tomou a decisão histórica de descriminalizar o aborto de fetos anencéfalos (interrupção terapêutica da gravidez). Não entraremos nos pormenores da decisão, já que tais detalhes estão mais do que espalhados pela internet. Deixaremos, ao final deste texto,  alguns links que consideramos de suma importância pelo caráter informativo que encerram.

Não há dúvidas que tal evento representa uma vitória das mulheres. Mesmo daquelas que se posicionam frontalmente contra o aborto. Mesmo daquelas que nunca tiveram ou terão que se preocupar com tal infortúnio em suas vidas. Porque, de agora em diante, todas nós poderemos falar efetivamente em escolha, pelo menos com respeito aos casos de anencefalia.  

Por outro lado, existe sempre o outro “lado”, não é mesmo? Não, não era preciso ter uma bola de cristal para prever que reações negativas à decisão do STF inundariam blogs e redes sociais. A grande maioria oriunda de pessoas ditas religiosas. Repetiu-se ad nauseam aqueles velhos argumentos reacionários de sempre, em cartazes tão agressivos que em algum momento tivemos a impressão de que foi criada uma trincheira. Colocou-se aquele que deveria ser um pilar da cristandade numa berlinda bizarra: o livre-arbítrio.

Liberdade de escolha. Um valor tão caro ao mundo ocidental, e ao mesmo tempo tão mal-interpretado. É muito triste ver que as pessoas não fazem cerimônia ao bradar “argumentos” essencialmente religiosos para embasar o inexplicável. Porque não há explicação plausível para um Estado que se diz laico se basear em questões religiosas para aplicar a lei a suas cidadãs. Nem que tal religião represente a maioria. Porque, sendo laico, o Estado é neutro. E isso significa que o Estado deveria garantir direitos a pessoas oriundas dos mais diversos credos, ou credo nenhum, de forma igualitária. O nome disso, carxs leitorxs, não é capetice, satanismo nem anti-cristianismo. O nome disso é democracia.

Ademais, como foi bem lembrado pelo ministro Celso de Mello, não dá nem pra clamar que a decisão do STF tenha sido anticonstitucional. Sim, porque se aos religiosos não foi dada a oportunidade de argumentar com a bíblia em punho (oh, coitadinhos), caberia a eles argumentar à luz da Constituição brasileira. Como o fez, muito verborragicamente e em um discurso tão floreado quanto vazio, o ministro Ricardo Lewandowski. Porque, voltando a Mello (e Ayres Britto também falou disso), a Constituição não delimita onde se inicia a vida. Mas delineia o que é a morte. E como a morte é ausência de atividade cerebral, o feto anencéfalo seria praticamente um natimorto cerebral, dada a limitação da atividade cerebral apresentada. E, conforme podemos verificar aqui , para o Conselho Federal de Medicina,  os sinais de reatividade infraespinal, ou seja, respiração e batimento cardíaco, não excluem o diagnóstico de morte cerebral.

Nesse debate todo (que deveria ter acontecido no Brasil há no mínimo 30 anos atrás), fica sobressaltada não apenas a questão da intolerância que a maioria religiosa do país tem para com aqueles que divirjam de suas crenças. Porque a questão do anencéfalo é isso: uma questão de crença. Pulularam relatos, dos mais emocionantes, de mães que resolveram levar a gravidez adiante e enterrar suas crias. Relatos belíssimos, cuja validade ninguém está tentando contestar. O que se está em pauta, e o ministro Ayres Britto colocou brilhantemente, é que ninguém é obrigado, por convicção de outrém, a se martirizar.

Pois bem. Além dessa intolerância que salta aos olhos, ficou mais do que clara uma outra triste particularidade de uma sociedade patriarcal como a nossa: a misoginia. Um ódio irracional e injustificado às mulheres. As pessoas reagiram como se, de agora em diante, o aborto de anencéfalos fosse uma obrigação. Oh, essas feministas maldosas. Insultos diversos, que nem tinham relação direta com o caso da anencefalia (na hora de abrir as pernas você quis, né minha filha?) forneceram o esteio necessário a um sistema brutalizante que, por suas raízes culturais, ainda permanecerá por um bom tempo entre nós. E contará com a nossa resistência. Sempre.

Links interessantes:

ADPF-54 O julgamento do STF e a anencefalia

Especialistas comentam julgamento de aborto de fetos anencéfalos 

Médico pode se negar a interromper a gravidez de feto anencéfalo mas deve orientar paciente

Depoimentos sobre anencefalia e bebês malformados 

Pela morte da tristeza clandestina

Lei é eficaz para matar mulheres, diz especialista. 


2 comentários:

  1. Ótimo texto Flávia. Achei interessante a parte em que você fala "a Constituição não delimita onde se inicia a vida". Outro dia estava pensando, "poxa, porque será que não me lembro do dia em que nasci? O dia mais importante da minha vida e eu nem consigo me lembrar dele!" Pois é, as lembranças que tenho só começam a partir dos 3 anos de idade, ou seja, minha vida antes dos 3 anos não faz a menor diferença pra mim, eu respirava, comia, dormia, fazia xixi e cocô e apenas isso. Portanto, acredito que a vida começa apenas quando damos significado para ela ou apenas quando temos a consciência dela!

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  2. por que as pessoas não podem simplesmente entender que impor algo que mexe com o íntimo da pessoa assim é ofender, é obrigar, é deixar o outro infeliz?
    por que as pessoas não podem simplesmente perceber que permitir uma escolha é permitir que as outras pessoas sejam felizes?

    o caso do aborto pra mim é tão claro. a mulher gestante pode escolher abortar ou não porque o feto precisa dela pra sobreviver, sem ela ele não existe, ela precisa se ver como mãe pra ter um filho!

    Mari

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