Indiretas feministas |
Em uma sociedade que a sexualidade feminina é colocada sempre como acessória da masculina, em mais uma afirmação da heteronormatividade vigente e também do machismo, é de se esperar que mulheres que amam/desejam/se sentem atraídas por mulheres sejam vistas como aberrações.
O fato dessas mulheres não se sentirem atraídas por homens ou apenas por homens, as coloca como indesejáveis dentro do patriarcado. A sexualidade feminina ser colocada como algo que só existe para agradar homens se desdobra em dois fenômenos muito conhecidos pelas bissexuais e lésbicas que é a transformação da sexualidade delas num fetiche para homens héteros e a negação da sexualidade delas como existentes. Como, dentro do patriarcado, a mulher não é vista como sujeita de si e nem de sua sexualidade, ao fetichizar as relações entre mulheres, coloca-se o desejo que existe entre elas como algo inexistente, como se elas estivessem relacionando entre si apenas para agradar a sexualidade masculina. Numa mesma tacada invisibiliza-se lésbicas e as bissexuais e coloca como inexistente o desejo entre mulheres ao reduzir a sexualidade delas ao fetiche masculino.
"Sou uma mulher bissexual e só passei a reconhecer minha sexualidade dessa forma com o feminismo, porque deixei de encarar o "gostar de mulher" como algo anormal e perceber o meu desejo como parte de quem eu sou. Há algum tempo atrás, estava entre algumas amigas e comentei sobre minha sexualidade e elas a desqualificaram. Foi dito, entre várias coisas absurdas, que eu não era bissexual porque eu namoro um homem e que minhas experiências com mulheres eram apenas uma fase. E não foi só isso: começaram a me interrogar sobre quantas mulheres eu já tinha ficado e quem eram elas, como se houvesse uma quantidade certa de mulheres pra eu poder me reconhecer como bissexual, porque elas só sabiam de uma das minhas vivências. Não tenho palavras pra definir o quanto me senti mal, porque além de duvidarem da minha voz e autonomia pra afirmar "sou bissexual", o interrogatório que fizeram foi num tom tão inquisidor, num tom de que duvidavam das minhas experiências e por isso queriam saber nomes. Isso me revoltou não só como mulher bissexual, mas também como "amiga". Percebi que a bifobia é presente até mesmo em grupos de pessoas que se consideram progressistas, porque o tempo todo a minha bissexualidade foi ligada ao fato de eu estar solteira, como se fosse uma fase de carência e rebeldia. Foi colocado até que provavelmente eu ficava com mulheres pra "chamar atenção". O que me surpreende é quando beijei uma mulher pela primeira vez, contei para minha mãe que eu era bissexual e ela aceitou tranquilamente e a mesma afirmação num grupo de amigas distantes nos levou para uma polêmica desrespeitosa. Vejo que a minha afirmação de que eu também gostava de mulheres incomodou tanto justamente pelo fato de atualmente eu namorar um homem. Parecia impossível para essas pessoas que mesmo num relacionamento hétero e monogâmico eu continuasse a afirmar que eu também gostava de mulher. Percebi que por mais que todas ali soubessem das minhas experiências com mulheres, isso não importava, porque elas consideravam o relacionamento com um homem como uma espécie de cura, uma prova de que "a fase passou"." - Patrícia*, nome fictício.
Marcha das Vadias de Curitiba
Via Feminista Cansada |
O relato acima mostra um dos aspectos da bifobia que é a tentativa frequente de afirmar que a bissexualidade é só uma fase. No caso das mulheres bissexuais, isso se desdobra em falas como "você se relacionava com mulheres para chamar atenção", no caso, a ideia presente nessa frase é de que aquelas relações só aconteciam com finalidade de atrair a atenção masculina, justamente por causa da fetichização da relações entre mulheres.
"Eu sempre fui reservada. Associei por anos a vida afetiva e sexual ao privado, não gosto de me expor, não gosto de chamar atenção. Simplesmente é meu modo de conduzir minha vida. Então, essa ausência de companhia me alocou sempre em categorias. Ou eu era a amiga feia encalhada, ou a garota cubo de gelo, ou a estudiosa sem tempo, ou a promíscua velada, ou a sapatão, ou a má influência para as amigas comprometidas. Tantos rótulos. O que eu demorei a notar é que o pior dos rótulos era meu. Eu tinha medo de demonstrar publicamente qualquer modo de afeto por preconceito contra quem eu sou. E eu sou bisexual. Minha introversão tinha a função de blindar meus sentimentos. Não queria ser apontada como a indecisa, ou aquela que tem medo de enfrentar a sua sexualidade e, por segurança permanece em cima do muro. Sim, eu gosto de meninas. Sim, eu gosto de meninos. E não vejo o motivo pelo qual essa minha flexibilidade de gostar de pessoas incomodar outras pessoas. Num domingo desses, enquanto eu cozinhava com minha mãe, ela fez um comentário sobre o posicionamento de um primo meu. Ele deixou de usar a expressão "amigo" para convidar familiares para o casamento com seu "companheiro". No comentário ela falava em coragem. Não como algo valente, como orgulho, foi com o toque de que finalmente ele havia saído do armário. Foi com esse tom que eu senti que não poderia me manter silente. E falei que eu gosto de meninas. Também. Bem assim, que eu somo afetos, que eu não excluo gêneros. A reação dela foi de choque seguido de imediato questionamento "você pratica isso?". A cara de nojo que ela fez me reduziu a uma afrontadora. Que eu poderia ser quem eu sou, escondido, sem que ela saiba de qualquer detalhe que lhe cause ojeriza. Desde então não falamos sobre, mas a cada saída minha, quando eu durmo fora, ela procura reforçar que não confia em mim, nas pessoas com as quais eu me relaciono e meus amigos. Ela reverteu isso tudo para um ataque pessoal. A filha rebelde que não nasceu para dar a ela os netos desejados. A filha dela que não nasceu para casar no altar vestida de branco. A filha dela que a envergonharia caso aparecesse com uma outra moça.Parece que é impossível para ela aceitar que a filha que a ama, e que espera pelo amor de volta, possa também amar outras mulheres. Que essas duas formas de amor não podem coexistir em mim." - Bárbara*, nome fictício.
Mais um relato e mais uma faceta de como age a discriminação. O caso acima relatado expõe como qualquer orientação sexual diversa da hétero é vista em nossa sociedade, como uma mancha na honra da família, uma vergonha. É comum ouvir pessoas falando que até aceitam pessoas não héteros, desde que elas vivam sua sexualidade só entre quatro paredes e afins. A frase tem a intenção de passar uma ideia de aceitação do outro, mas na verdade só passa a mensagem de que a sexualidade não hétero deve ser escondida, pode até existir, desde que não seja exposta, desde que os envolvidos não andem de mãos dadas na rua, beijem em público, se definam como companheirxs.
"São Paulo, Praça Roosevelt, 21 de junho de 2013. Estava com um grupo de pessoas próximas que protestavam contra o projeto de lei que propunha a autorização da Cura Gay por psicólogos. Vi a alegria das pessoas se esvaziar em minutos. Nossos celulares alertavam de um perigo: supostamente um grupo de neo nazistas estava se dirigindo ao ato para causar confusão. A comoção, ao menos no grupo que eu compunha, foi geral. Eu vi amiga chorando. Eu vi pessoas criando estratégias para não sofrer qualquer tipo de violência física. Conversas e gargalhadas, que estavam prometidas para o pós ato, foram trocadas por um esquema de abandonar o local em grandes blocos. Tentando não transparecer nessa atitude nossos medos e nossa orientação sexual.Um ato que era para celebrar nossa diversidade, demonstrar o absurdo que é a tentativa de cura para pessoas que só sofrem pelo preconceito alheio. Um ato derrotado pelo medo. Até quando teremos que ocultar nossa existência em prol do preconceito alheio? Não quero mais sentir medo." - outro relato de Bárbara*, nome fictício.
O medo também ronda a realidade das mulheres que se relacionam com mulheres. Ele existe em casa, na hora de dizer para a família sua sexualidade, no medo dos pais descobrirem e ser expulsa de casa. Existe na rua, na hora de voltar para casa, na hora de sair com a companheira. Existe dentro de estabelecimentos, quando todo mundo ao seu redor pode se beijar, dar as mãos e se você o faz recebe olhares tortos de muitos e às vezes até "convites" para se retirar do lugar. Existe quando dizem "você precisa de um homem pra te consertar", como se a orientação sexual que difere da hétero fosse algo a ser consertado e curado, e ainda usando uma frase que é um dos pensamentos base do estupro corretivo.
O medo existe, mas a luta continua e é necessário dar a ela visibilidade para fortalecê-la. Cada relato é uma forma de expor as nossas vivências, denunciar as discriminações sofridas e argumentar contra a lesbofobia, bifobia, homofobia e transfobia. Relatos são uma forma de quebrar a invisibilidade que cerca as relações entre mulheres, é dizer que não concorda com Felicianos e Malafaias da vida.
Esse texto faz parte da 1ª Semana de Blogagem Coletiva pelo Dia da Visibilidade Lésbica e Bissexual, convocada pelo True Love.
Me assumi como bi para minha familia faz um ano, eles aceitaram bem, apesar de terem resistido no inicio. Mas fora de circulos muito intimos não me assumo por medo de ser prejudicada no trabalho. Vi uma colega sofrer uma forte discriminação por se assumir no facebook e temo desde então, a discriminação era bem discreta, parecia um assedio moral comum, mas era por ela ter saido do armario mesmo. Muito triste. Temos que relatar essas discriminações, argumentar contra elas, para que se assumir nao seja tao dificil.
ResponderExcluirmuito bom ver textos que falem sobre bissexuais e suas questões, incluisive suas discriminações proprias!
ResponderExcluireu acho meio estranho esse negocio de mulher com mulher,e homem com homem. mas não há ninguem que possa mudar de qual sexo deve se gostar. não vou dizer que sou a favordo casamento entre duas mulhers e entre dois homens,mas tambem não sou contra. se voces são felizes assim,todos devem entender que ninguem escolhe como quer nascer,e todos devem aceitar a opção sexual de todos.
ResponderExcluirPor que elas usaram nomes fictícios?
ResponderExcluirOlá, anônimo. Elas pediram para usar nomes fictícios porque expõem aspectos muito privados da vida delas como família e amigos e preferem evitar tal exposição, mesmo sendo mulheres "fora do armário".
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