terça-feira, 17 de julho de 2012

Guestpost: Feminismo e cultura pop: Parte 1 – As Representações Femininas


Olá, pessoal do Ativismo! Me chamo Taís e sou a blogueira do Colchões do Pântano. No blog, um dos meus objetivos é analisar mídias de entretenimento como games, quadrinhos e séries sob a ótica feminista. Nesta série de guest-post, farei uma (não tão) pequena compilação de problemas e fatos que pude perceber e aprender com o tempo.
Quem já está familiarizado o suficiente com feminismo conhece vários estereótipos, falácias e preconceitos quando o assunto é sobre mulheres. Tudo isso também aparece no meio nerd/geek/gamer com suas peculiaridades e semelhanças.

De acordo com a ESA (Entertainment Software Association), as mulheres representam 47% dos jogadores americanos. Mesmo assim, a carga de machismo e misoginia que existe tanto nos jogos quanto entre os próprios jogadores é assustadora. O problema começa com as representações femininas criadas por desenvolvedores predominantemente masculinos. Um dos estereótipos mais frequentes é:

A Fighting Fuck Toy – Protagonista feminina que é hiper-sexualizada e ao mesmo tempo é forte, independente e chuta a bunda dos inimigos. Esse tipo de personagem me irrita bastante porque muitos a tratam como símbolo de empoderamento feminino, quando ela nada mais é do que um produto criado para satisfazer o público masculino heterossexual (ao mesmo tempo que é usado para invalidar o argumento de que elas não são objetificadas porque, afinal, olha como elas são fortes e incríveis! Como ousa não gostar delas?).

Exemplos: Ivy de Soul Calibur (que a cada jogo lançado, seus peitos tornaram-se cada vez maiores), Bayonetta (com o diferencial de usar literalmente sua “sexualidade” como fonte de poder), Lara Croft de Tomb Raider (que passou a ter um corpo ligeiramente mais realista a partir de Angel of Darkness e passou por mudanças bem mais significativas com um reboot ainda não lançado), Juliet de Lolipop Chainsaw (incluindo o bônus fetichista com uma líder de torcida), Mai Shiranui de Fatal Fury e The King of Fighters (que passou por um processo similar ao de Ivy) e as mulheres de Mortal Kombat em geral.
Fighting fuck toys, representações femininas positivas? HAHAHAHAHAHA CONTA OUTRA.

Talvez por objetificação e força estarem tão atrelados para mulheres, é possível ver um “padrão inverso”: quando a personagem não é visualmente apelativa, muitas vezes ela é como a princesa Peach: passiva, fraca e indefesa. Cheguei a fazer uma listinha com exemplos. Esse padrão também aparece na página doTV Tropes.

Outro exemplo constante de objetificação aparece nas armaduras femininas. Em muitos MMORPG’s* (principalmente os orientais), você pode comparar os gêneros da mesma raça, classe e nível que a mulher provavelmente vai ter muito menos proteção que o homem. Existe até um nome próprio para couraças femininas: boopblate (ou seja, a armadura tem o formato dos peitos definido).
Exemplos: Tera Online, Fiesta Online, World of Warcraft, Perfect World e Dragon Nest**.
Comparação de armaduras de níveis diferentes e a lógica “menos é mais e melhor”. Imagem de Tera Online.
Como homens de armadura ficariam se tivessem o mesmo nível de proteção das mulheres.

Por último, temos uma situação que não chega a aparecer tanto nos jogos, mas MUITO em HQ’s: a “boob-and-butt pose”, em que as mulheres são desenhadas em uma posição que é possível ver os peitos e bunda ao mesmo tempo. O problema é que além de ser desconfortável, a contorção é tão grande que a coluna vertebral quebraria se fosse de verdade (além de outras poses ridículas consideradas “sexy”). Tal fato deu origem ao tumblr Escher Girls, publicando, parodiando e consertando inúmeros exemplos.
Sexy ou ridículo? Depende, é claro.
Aí aparecem alguns com a falácia da falsa simetria afirmando que homens fortes e musculosos também são objetificados! Tá reclamando do quê? Homens também sofrem, tadinhos!

Tal afirmação é falaciosa por uma razão muito simples: Homens musculosos e mulheres gostosas são produtos para um público dominante masculino heterossexual.  Enquanto heróis musculosos representam o que eles gostariam de ser, heroínas gostosas são o eles querem que elas sejam para satisfazerem seus desejos e fetiches (além de mulheres halterofilistas não serem consideradas atraentes por motivos óbvios). Em suma: não confunda idealismo com objetificação.

Cara, como você é uma feminazi chata, credo! Só tá reclamando neste post! Não tem nada de positivo pra mostrar não?

Tem sim. Apesar de poucas, existem personagens que não só são mais realistas na aparência, como também podem ter uma personalidade mais interessante e humana.
Exemplos: Faith de Mirror’s Edge, April de The Longest Journey, Zoë de Dreamfall, Jade de Beyond Good & Evil, Alyx de Half-life 2 e Episodes, Zoey de Left4Dead, Rochelle de Left4Dead 2 e Chell de Portal e Portal 2.

Quanto a jogos em que mulheres usam armaduras convincentes, temos Skyrim, Mass Effect e The Lord of the Rings Online como exemplos.
Representações femininas legais (e mais diversas) existem, apesar de serem escassas.
Ah, mas você tá levando os jogos a sério demais! Eles foram feitos pra nos divertirem!
Primeiro, se divertir com alguma coisa é bastante subjetivo depende dos gostos de cada um (ou você conseguiria se divertir jogando Dear Esther ou Amnesia: The Dark Descent?). E segundo, esse tipo de desculpa para fugir do problema não é muito diferente de dizer “é só uma piada!” para gracinhas preconceituosas.

Então você está sugerindo que os desenvolvedores sentam e pensam de como vão criar uma personagem feminina ofensiva.

Sim, eu já tive a oportunidade de ouvir essa pérola e alguém acreditar que esse problema é exclusivo E intencional da indústria de jogos é ser bastante ingênuo e não ver o preconceito como fruto de uma sociedade machista.

No próximo post, o tema será sobre o tratamento que mulheres como jogadoras recebem (ou dão) nesse meio, principalmente quando é para protestar contra o preconceito que elas sofrem.

*Massive Multiplayer Online Role-Playing Game. Jogos com vários jogadores simultâneos conectados que criam personagens com um determinado nível de customização na aparência, roupas e funções, e que precisam realizar tarefas para subirem de nível e consequentemente adquirindo armas, armaduras e poderes melhores.
**Esse jogo tem gender lock, ou seja, o gênero do personagem que você vai jogar é pré-determinado pela classe. Warrior e Cleric são garotos enquanto Archer e Sorceress são garotas.


Para ler a parte dois da série de guestposts sobre Feminismo e Cultura Pop escrita pela Taís Fantoni clique aqui

14 comentários:

  1. Eu não entendo nada de jogos, mas ontem mostrei esse post ao meu namorado e ele comentou que grande parte dos jogos que objetificam as mulheres são jogos japoneses. E que quanto mais realista o jogo menos objetificada a representação feminina.

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    1. Então seu namorado não conhece muitos jogos. É na msm proporção entre jogos japoneses e ocidentais. E acima de tudo, os ocidentais são os q mais fazem isso nos quadrinhos principalmente.

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  2. Accho algumas personagens femininas dos Final Fantasy bem "reais" também..
    Tipo sem mega bundas e mega peitos, as roupas são decentes em sua maioria..

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  3. Mal posso esperar pelo próximo post! Que bom que alguem falou sobre isso, todo esse tema estava entalado na garganta há algum tempo e essa matéria deu o primeiro passo pra que eu possa articular algumas coisas sobre isso também...

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    1. Fico contente que tenha sido útil (: nesta quarta feira sai o próximo post!

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    2. Taís, eu também fiquei muito feliz em ler mais sobre o assunto. Não sou gamer, mas tenho amigas que curtem e reclamam bastante sobre os aspectos que vc apontou (entre outras coisas). Eu que não conheço muito do assunto fiquei muito grata à esse texto, aprendi um bocado com ele. ;)

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  4. Uma feminista vai postar no youtube uma série sobre a representação de mulheres em videogames, digita aí "feminist frequency", acho que vai gostar.

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  5. Sem querer ofender, minha opinião é meio diferente:
    Sou uma mulher (cis) que gosta das personagens femininas sexy e estilizadas. Quero mais mulheres "normais" e realísticas, ou que pelo menos não sejam sexualizadas. Mas ainda curto muito as sexualizadas (queria caras assim também) e a estilização. Amigas minhas gamers também gostam, e várias querem sempre ter a personagem mais bonita do jogo. Mas é só falar isso que algumas feministas vem dizer que é porque "internalizamos o patriarcado", dizem que nossa opinião está errada ou começam a ofender.

    Também não concordo com o modo que várias redesenham os heróis pra mostrar "como os homens seriam se fossem sexualizados" nos quadrinhos. Claro que entendo a questão. Mas mostra homens em poses femininas vestindo roupas femininas, o que não é sexy para a maioria. Pra ilustrar o ponto deviam desenhar os homens com pose de revista G etc, ou como bishounen de mangás.

    Também não gosto mto do Escher Girls, mtas vezes criticam arte estilizada, estilos hentai e anime, que exagera a anatomia de propósito. É meio que nem criticar Hora de Aventura por ter braços de macarrão.

    De resto concordo, e parabéns pelo blog.

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    1. Boa opinião Ashiya, concordo contigo. E homens sexualizados existem de certa forma, e aos montes. Temos o famoso cara fortão q fica sem camisa, por exemplo, fazendo pose, e isso é bastante sexy para as mulheres, e é usado como tal e é bastante comum nos dias de hj. Temos q lembrar q o q é sexy é diferente para os dois sexos.

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    2. Não, esse seu ponto do homem sexualizado não concordo exatamente, o resto do blog explcia isso. Sim muitas mulheres gostam e "objetificam" os caras, porque acho impossível ninguém objetificar ninguém, e acho normal homem ou mulher ver um filme só por causa das pessoas bonitas sem estar interessado na personalidade dos personagens. Não acho que todo fanservice seja ruim nem que todo personagem precise ser profundo, bem escrito, ser tratado como gente etc. É ficção.

      Mas a maioria desses homens na mídia são feitos assim PARA os homens usarem como fantasia de se colocar no lugar deles e se sentirem poderosos. É uma idealização, não é feito para as mulheres (mesmo porque muitas não acham caras musculosos atraentes - veja Edward Cullen... eu não gosto tanto dele, mas gosto até de homens efeminados e magros a alguns com músculo, mas não músculo demais).

      Se eles fossem desenhados e mostrados nos games mostrando um volume na calça, com uma calça bem baixa, fazendo poses não poderosas e mostrando força, mas mostrando apenas sexualidade, e fossem usados nas histórias da forma "fraca" que as mulheres são (sendo apenas "a namorada" tipo Mary Jane, ou sendo a princesa a ser salva). Aí sim seria sexualização. Ou pelo menos estaria no nível de sexualização das mulheres. Mas não, são mostrados sempre em poses de poder, de ataque, práticas, e não ridículas (na maioria das vezes).

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  6. Gizelli, para mim o grande absurdo do final fantasy é esse: http://2.bp.blogspot.com/-eoR8cki-xY0/Tbxr2L4D2BI/AAAAAAAAACk/-pJAiwwaNgY/s1600/Final+Fantasy.png

    A moto são duas mulheres.....

    Parabéns pelo belo texto!

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    1. De fato é absurdo! E observando a imagem, uma das mulheres fica observando de baixo o personagem. Dá um ar de submissão muito forte.

      Obs.: O texto não é meu, é da Taís Fantoni, do blog Colchões do Pântano. Ela publicou como convidada aqui no Ativismo de Sofá. ;)

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  7. Olha, o modelo de "fighting fuck toy" não me irrita taaaaanto quanto mulheres representadas como inúteis e fracas. Mas quando eu lembro dessa idealização feita para homens heterossexuais dos personagens, chega a me dar nojinho.
    Adorei o post, porém #chatead porque eu gosto de Amnesia.

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    1. Uhauehuaeh Amnesia é foda. Tbm quero Dear Esther, adoro "art games" :P
      Acho tosco povo reclamar de Bayonetta e Lollipop Chainsaw porque esses jogos não se levam a sério em nada, eles satirizam o mundo gamer, é só jogar pra ver. Cada um sabe do que lhe ofende. Mas acho perigoso ataques generalizados contra toda personagem sexy que existe no mundo, que acabam se tornando slut-shaming muitas vezes.

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