Propaganda do carro Fiat Bravo 2012 |
Assistindo ao intervalo comercial da programação da tv, dia desses, vi uma propaganda que me chamou atenção: Parece um dia normal de trabalho em um escritório. Um homem bem vestido tenta atender ao telefone sem sucesso, pois as suas mãos começam a desaparecer. Ele começa a ficar incorpóreo e invisível. Com a desmaterialização em curso, corre pela sala aos berros, se vê em uma fotografia na parede, cuja imagem também começa a sumir. Ele vai ao estacionamento e entra em um carro (Fiat Bravo) e, imediatamente, volta ao normal. Mas não pára aí: em uma volta pela cidade, várias mulheres páram para observar a poderosa máquina, ressaltando o clichê da mulher interesseira. No fim, o rapaz, agora nitidamente corpóreo, sai do carro, acompanhado de uma moça morena e encontra conhecidos que disparam a piadinha: "Estava sumido, hein?".
A propaganda apenas constata um fato: Consumir virou sinônimo de existir. Mas isso não é fenômeno dos dias de hoje. Alguns se lembrarão da propaganda de 1992, 20 anos atrás, direcionada para crianças, da tesourinha do mickey, cujo slogan era "eu tenho, você não tem" (essa propaganda inclusive teve sua veiculação proibida pelo CONAR, num capítulo interessante do debate da propaganda voltada para o público infantil). Em segundos, passamos da indiferença/desconhecimento ao desejo incontrolável por um produto. Descartável é a palavra de ordem. E status designa poder. A câmera comprada a poucos meses já está obsoleta e precisa ser reposta. O smartphone já tem versão mais atual. A estação mudou, a moda mudou. Nada dura, nada permanece. A efemeridade do que possuímos tornou-se parte de nós. Geração millennials (ou outra definição mais moderna), antenada, que somos... ninguém quer ficar para trás no curso da História. E a história das pessoas lentamente passa a incorporar a história das coisas.
O problema é que não estamos tão cientes assim de qual é a história completa das coisas que consumimos, a cadeia de produção que nos apresentaram não mostra toda a verdade sobre elas. O impacto de um modo de vida que preza pela produção de uma quantidade de lixo supérfluo tão grande pode ser compreendido no documentário "A História das coisas", de 2007 e incrivelmente atual. No vídeo (ambientado no panorama americano de consumo, american way of life, desejado por tantos outros países do mundo), muito didaticamente, são apresentadas os elos da cadeia de produção e o que há de invisível por trás das palavras extração, produção, venda, consumo e descarte. Nessa cadeia, destaca-se como a "seta dourada", aquela que indica o consumidor final. É o consumidor final o alvo da propaganda citada no início do texto.
A idéia de que consumir traz felicidade é desconstruída por pesquisas que informam que embora o consumo aumente desenfreadamente, as pessoas não estão mais felizes. Esse conceito que nos é vendido diariamente é falso ou relativo. O dado assusta: Segundo o documentário, 99% do que é comprado vira lixo em seis meses. A felicidade que as coisas propiciam é tão efêmera quanto é a durabilidade do produto. Ou até mais transitória do que isso. Na verdade, parece mesmo é que esse descarte excessivo é extremamente frustrante.
Imagem promocional do filme Delírios de Consumo de Becky Bloom |
“A nossa enorme economia produtiva exige que façamos do consumo nossa forma de vida, que tornemos a compra e uso de bens em rituais, que procuremos a nossa satisfação espiritual, a satisfação do nosso ego, no consumo. Precisamos que as coisas sejam consumidas, destruídas, substituídas e descartadas a um ritmo cada vez maior”.
E assim temos vivido. Ainda que não sejamos americanos, tornamo-nos, para efeitos práticos, uma sociedade de consumo que impulsiona a economia. Especialmente a economia de mercados consumidores, pois é na seta dourada que está o maior valor da cadeia. Só que, para além da estabilidade da economia, esse pensamento tem destruído a vegetação, poluído o solo e o ar, explorado pessoas (especialmente as que se encontram em maior vulnerabilidade social) e recursos naturais, contribuído para o aquecimento global, entre outros tantos resultados desastrosos. O preço da manutenção desse sistema é alto demais. E não me refiro ao valor financeiro, mas ao valor social e ambiental. Só que estamos tão imersos nessa realidade em que o dinheiro é a medida do poder e da felicidade, que fica difícil visualizar como ter de volta essa satisfação espiritual e de ego, a que Victor Lebow se referia, fora da seta dourada do consumo.
Muito bem colocado!!! Infelizmente as pessoas ainda não percebem que o consumismo não é bom para elas, enquanto isso o meio ambiente acaba. O novo Código Florestal promete exatamente maior produção para gerar, adinvinha? Mais consumo... é um círculo vicioso, quanto mais se tem, mais se quer...
ResponderExcluirComprar é uma maneira de aliviar o estresse, a tristeza e as angustias que o mundo moderno nos proporciona.O ter hoje em dia é mais importante que "ser".Ter um carro novo, um celular de ultima geração, uma roupa da estação é muito mais importante para a sociedade que vivemos do que a manutenção dos recursos naturais. As compras nos trarão felicidade, paz de espirito, alivio.A verdade é que eu, como muitas de nós, sabemos a importancia de manter os recusros naturais que não sao inesgotaveis, do problema do aquecimento global, mas somos em contrapartida bombardeadas por imagens e mensagens de que a felicidade está na tesourinha da Disney que TEMOS que ter, na bolsa do estilista X e na maquiagem que a atriz de Hollywood usa.A concorrencia é desleal.
ResponderExcluirPois é Gabi, você tem acompanhado o quanto tenho tentado diminuir o meu consumo superfluo, É MUITO DIFÍCIL. Muito. Mudar os nossos hábitos, alimentados durante toda uma vida, é sempre complicado, não é?
ExcluirEu tinha reparado nessa propaganda da Fiat esses dias e pensado sobre isso que vc citou: "será que somos somente consumidores?" Fora que achei ridícula a forma que o tema foi abordado.
ResponderExcluirMas, ultimamente eu tenho reparado mais em mim mesma sobre isso. Há anos eu sou consumista. Já tive problemas financeiros com isso e atualmente luto comigo mesma para tentar gastar menos com bobeira. Reparo também que muita coisa que eu compro é mais por status, de dizer que comprei (indiretamente isso, só fui perceber esses dias...não é lá algo mto legal de saber sobre si mesmo).
Mas acho que é bem o que o vídeo relata, a cadeia do consumo é enorme, gira uma quantidade monstra de dinheiro, exploração e faz mal diretamente a quem consome, fisicamente, financeiramente...Só que quase ninguém para pra pensar nisso, para analisar os gastos, o consumo excessivo...para pensarmos "por que eu acho esse salto quadrado feio? quem disse que salto fino é bonito e quadrado é feio?" pq é uma idéia inserida na nossa mente. É mais confortável pensar que X coisa é feia do que questionar do pq aquilo foi dito como feio. Direto eu me questiono disso e me sinto até desconfortável...é tão mais cômodo eu simplesmente achar que X e Y é bonito pq é bonito, do que me perguntar o que eu realmente acho bonito.
Um exemplo: todo mundo que eu conheço idolatra o Iphone. Quer dizer, uma boa parte dessas pessoas. Eu mesma, nunca mexi em um, não sei direito dos aplicativos e to satisfeita com meu celular que apesar de ser smartphone, é considerado ultrapassado e lento. Mas depois de tanto ouvir sobre o Iphone e suas maravilhas, já teve momentos de eu cogitar comprar um. Então é uma coisa que fica martelando sua cabeça, que vc mesmo se questiona "pq eu não tenho X coisa ainda?" sabe? É tudo tão maquiado...Tipo, ter Y item é legal, quer dizer que vc é cool...envolve muito, mas MUITO o ego, o poder, de dizer "eu tenho o que é considerado descolado, eu faço parte de um grupo de inclusão".
Enfim!
É um assunto que tem muito a se pensar e analisar.
Gostei muito do post!
:)
Nossa, eu tenho exatamente essa relação com o Iphone. Mas no meu caso, eu tento consumir o mínimo sempre, e até consigo, sabe? Meu celular é bem antigo e eu não costumo ligar muito pra essas coisas, mas as pessoas falam tanto do danado do Iphone, fazem tanta propaganda, falam de um modo que me deixa tentada a comprar um, como se eu precisasse de um pra viver.
ExcluirEu já cheguei no ponto de pegar birra da Apple. É um fanatismo grande em torno de uma marca. Ter um apple é sinônimo de status. E eu já trabalhei num computador da apple e achei bem chato, eu não gostei de vários aspectos. Para mim não serviu.
ExcluirOpa, conheci o blog hj e gostei muito dos textos.
ResponderExcluirTem um documentario mto interessante sobre o tema : Zeitgest Moving Forward. Vale a pena conferir.
Abracos