terça-feira, 18 de setembro de 2012

Relações tradicionais e a infidelidade feminina


Apesar das múltiplas formas de relações que conhecemos hoje – principalmente quando começamos a nos envolver em meios de luta feminista, LGBT* e questionar determinadas normatividades vigentes – em geral bem sabemos que a estrutura social e a força política está concentrada em torno de apenas um modelo familiar: Heterossexual e monogâmico.
Ninguém está aqui para negar que possam existir relações heterossexuais e monogâmicas muito bem sucedidas. Com igualdade, liberdade e escolha dos envolvidos. Porém não podemos desconsiderar que esses dois pontos são compulsórios, ou seja, nos são ensinados desde muito cedo como as únicas formas possíveis de amor. E quando digo muito cedo, digo muito cedo mesmo, palavra de uma mãe que desde que teve a filha no útero ouviu coisas como “é uma menina? Fulana está grávida de um menino, olha só, podem ser namoradinhos rs”.
Esse modelo familiar tradicional é estruturalmente patriarcal e, consequentemente, machista. E aí entramos no verdadeiro assunto desse texto: A infidelidade. Mesmo nos meios feministas é possível notar uma certa resistência a visualizar a dita “traição” e compreende-la, admitir que ela pode não ser algo tão errado assim. Isso acontece porque partimos de um princípio de isonomia que na prática da maior parte das relações é inexistente.
Em uma relação monogâmica e heteronormativa a figura feminina está invisivelmente sendo oprimida. A família do comercial de margarina é, na realidade, uma estrutura que sujeita a mulher a uma série de agressões físicas, sexuais e psicológicas que agem no sentido de manter o status quo familiar. Um dos exemplos mais importantes é a questão da autoestima feminina que é minada socialmente. É consenso desde as igrejas às revistas femininas que  ela deve ser a base do lar, cabe sempre a ela a manutenção do casamento e a função de agradar o homem.
Diante de uma relação permeada por essa violência, como podemos equiparar a infidelidade masculina da feminina? Quantas vezes já ouvimos falar do homem que “trai” por que a mulher não cumpre sua “função” como esposa? Iludido por essa lógica patriarcal o homem espera encontrar dentro de casa não uma companheira, mas uma mulher que esteja sempre sujeita as suas vontades.
A mulher, ao se ver dentro de uma relação que desconsidera suas vontades, oprime sua liberdade de ser e mina sua autoestima, passa a viver um mundo que não é o dela, mas sim o do marido e da estrutura familiar tradicional.
Nesse sentido, a infidelidade feminina não é apenas uma forma de alcançar prazer, de viver um caso de amor (embora possa sim ser também), mas sim de se desvincular dessa vida de opressão que foi imposta a ela, desse lugar comum que a violenta diariamente. A “traição” funciona como uma fuga, a busca de encontrar um ambiente no qual tenha sua autoestima elevada, no qual seja compreendida, acalentada e possa realizar suas próprias vontades.
Mesmo quando a pessoa com quem a mulher se envolve não seja um exemplo a ser seguido (é possível, inclusive, que seja tão opressora quanto o homem que se encontra dentro de sua casa), não aja de maneira a colaborar para a visibilidade dos desejos da mulher. Mas para quem está sujeita a viver buscando realizar exclusivamente a vontade alheia (do chefe no trabalho, do homem no casamento, dos filhos dentro de casa), a infidelidade em si age como um processo libertador, afinal, é uma decisão dela, uma ação que ela escolheu fazer por si própria.
A mulher que “trai” encontra nessa “traição” uma forma simbólica de realização pessoal, de autonomia, coisas que não são permitidas a ela na vida tradicional em que se encontra. Mais do que isso, está fugindo das agressões, do aprisionamento, do cerceamento que é feito sobre ela pela família patriarcal. A atração que leva a infidelidade feminina não é apenas pelo outro, mas sim por si mesma, pelo resgate de si, pela vivência de relacionamento visceral, fora das aparências que exigem dela uma anulação diária.
E a premissa de simplesmente “abrir o relacionamento” aqui não é válida. Pelo simples motivo de que as relações não-monogâmicas ainda vivem no campo da marginalidade, do desconhecido. Quantas pessoas você conhece que admitem a possibilidade de viver uma relação aberta? Ou sequer sabem que existe essa possibilidade? Eu mesma não sabia até os meus 17 anos, quando um livro sobre o assunto pulou nas minhas mãos. Essa alternativa ainda não é palpável para a maioria das pessoas.
Sendo assim, ao falar de infidelidade não podemos apenas partir do pressuposto da palavra, do acordo de monogamia pré-estabelecido, acreditando que toda quebra de acordo é um erro e fim. O contexto deve ser levado em conta e enquanto não houver igualdade de gênero, as relações não seguirão de forma horizontal, portanto, olhando criticamente as atitudes não podem ser consideradas iguais.
Vou terminar esse texto reiterando o óbvio: Não estamos falando de todas as relações, todos os homens, todas as mulheres, todas as monogamias. Mas como já falamos aqui no blog, generalizamos porque não queremos tratar das exceções, queremos problematizar a ordem dominante.

15 comentários:

  1. Muito interessante e libertador ler isso.
    Estou passando por essa situação e ao mesmo tempo que me sentia bem, algo me fazia sentir muito mal, e agora eu vejo o que é. Que não é meu lado certinho, que não sou eu mesma ou meus princípios. São os 'princípios' aos quais fui imposta. Isso me fez um pouco melhor, rs
    Muito obrigada.

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  2. LGBTTT? Mudou a sigla de novo?

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    1. Há quem prefira usar a sigla LGBT*, porque o asterisco seria uma forma de mostrar que o termo trans compreende diversas identidades.

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    2. http://transfeminismo.com/trans-umbrella-term/

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    3. Ia responder agora que usei o termo com o qual estou familiarizada. Bom link, vou consertar no texto :D

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  3. Oi, Paula, enquanto eu lia o texto fiquei pensando... a traição por parte das mulheres pode ter a ver com uma retomada na própria autonomia, certo?
    E pensei, e como é isso em relação a relacionamentos não-heteronormativismo (e não-cisgêneros)? Como as opressões tradicionalmente acontecem dos companheiros cis contra as companheiras cis esses outros relacionamentos fogem (inicialmente) a essa regra. O que você e o pessoal do blog pensam sobre isso?

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    1. Então, como eu disse no começo do texto, a heterossexualidade e a monogamia são compulsórias, por isso para mim precisam ser mais problematizadas.

      Mas veja bem, o termo "heteronormatividade" não é o mesmo que heterossexualidade. Ele não abrange todas as relações heterossexuais, tampouco existe somente nelas. Quando falo em heteronormatividade e família tradicional me refiro a esse padrão patriarcal que envolve as relações, entende? Onde há uma figura patriarca, provedora e opressora e outra que está sendo oprimida e violentada, o que pode acontecer sim em relações LGBT*.

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  4. Traição é um erro ético. Ser antiéticx não é se libertar, pelo contrário. Se houve a escolha por um relacionamento monogâmico (e digo "escolha" ciente do normativismo presente na sociedade e tendo uma postura combativa quanto a ele), é preciso haver coerência. Se uma pessoa tem condições de escolher trair alguém, ela pode escolher pelo fim do relacionamento nos moldes monogâmicos. Falta de ética não tem gênero, logo, se eu julgo a traição masculina, julgo a feminina também. Como feminista que sou, e muitas vezes considerada radical, defendo a libertação REAL, que vai para o lado oposto de uma traição. Isso é uma medida paliativa das mais ineficientes - melhor, é absolutamente eficiente para reafirmar os valores monogâmicos e patriarcais da sociedade, independente do gênero de quem estiver traindo.

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    1. Mas a Paula está tratando, aqui, de um contexto de violência simbólica contra a mulher. E muitas vezes, no referido contexto, não existe isso de "escolher" pelo fim do relacionamento. Embora em muitos casos a mulher realmente se divorcie, o que acontece é que a sociedade praticamente celebra a traição masculina, ao passo que condena veementemente a feminina e isso já demonstra o grau de desigualadade dos relacionamentos nos moldes tradicionais. E mesmo que uma mulher se separe, muitas vezes o que vemos é a monogamia em série, ou seja, parte de um parceiro a outro por simplesmente ignorar que relações abertas podem sim ser válidas. Olha. Eu já vi isso acontecer e muito. Inclusive arriscaria dizer que isso de ir separando e casando novamente é, mais do que tentativa e erro, um sintoma de que os relacionamentos nos moldes tradicionais não funcionam pra muita gente. Sair de um relacionamento opressor para manter a palavra e não trair, ao mesmo tempo que se cai em outro relacionamento opressor e não trai novamente para manter a palavra e assim por diante - tudo isso é uma válvula de escape, um ciclo vicioso que não resolve problema nenhum. Evita-se o que você chama de "erro ético" mas eu, sinceramente, não falaria de libertação aí não. Tá longe disso.

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    2. O texto não se diz a favor da traição das mulheres, o ponto aqui é que a traição feminina pode ser explicável. Naquelas "explica, mas não justifica"

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  5. É óbvio que a traição masculina e a traição feminina são vistas de forma diferente na sociedade, o que é um erro. Acho que a problemática é mais como se formam as relações monogâmicas, todxs querem ter, mas não entendem que precisa ser algo acertado, muitxs pensam que as "restrições" ficam subentendidas e não é isso que acontece. É pura imaturidade de ambxs os sujeitxs de acreditarem que a relação vai ir "se acertando aos poucos", como já escutei muito. Também acredito que isso aconteça pela necessidade que impõem a mulher, então ela não quer muitos problemas, apenas conseguir um parceiro e fazer sua parte na Terra.
    Não vejo que o problema seja da monogamia em si, afinal é só um tipo de relação como os outros tantos que existem. Faz parte da escolha de cada um, tendo que ser uma escolha consciente.
    Na verdade eu acho que é bem popular se relacionar com várias pessoas, igual quando se está solteirx.

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    1. Como eu já disse no texto: Não estou falando de todas as monogamias, estou falando da monogamia compulsória. Aquela que não é questionada, não é repensada, é apenas tomada como única forma de relação possível e pronto.

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  6. Esse texto me lembrou um post da Lola sobre a traição daquela atriz q fez o filme crepúsculo com o diretor da peça q ela está (estava) atuando. A Lola tb toca nesses pontos, tem gente ofendendo a moça, ela perdeu o papel q estava fazendo, e esta, inclusive mudou de nome(!) Mas ningm julgou o diretor, muito mais velho que também é traidor. Gente, tem até camisa ofendendo a moça, e as pessoas não acham q isso é machismo. A Lola posta palavras de pessoas q saíram em defesa da moça que eu tb achei muito interessabte como ela toca em 'feridas' que muita gente nem quer tratar.

    Gosto de ler vocês aqui, mas achei a linguagem desse texto tão academicista. Tenho certa rusga com o feminismo academicista, sorry.

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    1. Ai desculpa, não foi intencional de verdade, eu também tenho essa birra com academicismo (não sei ler em nenhuma outra língua, por exemplo e daí vejo discussões homéricas em torno de textos em inglês e fico "oi q".

      Deve ser o jornalismo que me deixou assim mais formal, às vezes acaba saindo uma linguagem dessas. Tentarei prestar mais atenção nisso, viu.

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  7. Faltou apenas dizem uma obviedade. Relações extraconjugais, não gosto da palavra traição, acontecem (também) poque é bom variar. Simples assim.

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