sexta-feira, 6 de julho de 2012

A palavra que conforta é a mesma que oprime.

Atenção geral religiosa: o texto a seguir não é uma crítica à sua fé. Não tenho nada com o que você acredita ou deixa de acreditar, mesmo porque eu me reservo o direito de ter fé também. Como vocês perceberão ao longo deste texto (que passa bem longe de estar completo, como aliás tudo o que escrevo aqui), a crítica é exclusivamente à igreja enquanto instituição. Amém.

Que eu já li a respeito em outros blogs, ah, isso já. Porém, minha terrível desorganização me impede de lembrar onde foi que vi e falta-me uma boa dose de coragem para googlar. Portanto, recebo de bom grado sugestões de leitura que vocês porventura tenham para o meu enriquecimento.

O papo de hoje é o seguinte: já notaram a incômoda semelhança entre a postura da Igreja Católica para com as mulheres, que se estende desde os primórdios desta até os dias de hoje, à postura que teve com a escravidão dos negros? Pois é. Amiga minha compartilhou este ótimo artigo  no facebook dela e eu fiquei refletindo um bocado sobre. Refleti tanto que até saiu um post xD

O artigo em questão trata de um assunto notório entre estudantes de Letras e demais curiosos que, em algum ponto de suas vidas, dedicaram-se ao estudo da obra do padre Antônio Vieira. Veio à tona em mim o velho questionamento: por que a Igreja Católica continua com essa postura extremamente opressora e castradora para com as mulheres (falando das cis, porque às trans só resta o papo de aceitar o pecador e não o pecado), ao passo que admite e até reconhece o erro que foi a escravidão de negros e índios?

Vejam bem. Eu estive por dentro das “reformas” implementadas pelo papa João Paulo II, papa este aliás que conta com um tico de admiração minha, por ter aberto o diálogo ao ecumenismo, ainda que tenha tido o desbunde de afirmar que fora da ICAR não há salvação. Vou linkar aqui (e peço perdão eterno por isso), um textículo da revista Veja.

 
O nosso querido papa anterior, que eu ponho sempre em intenções quando rezo um terço (vai que ele tá no purgatório, tadinho) pediu perdão aos negros, aos povos indígenas, aos muçulmanos, às mulheres. Perdão tímido, pedido em voz passiva, baixinho, embaraçado, como quem tá dizendo “mas não fui eu, foi o coleguinha” pra professora quando faz arte. E se o perdão foi pedido baixinho, para as mulheres ele foi quase inaudível.

Eu lembro de ter participado de diversas Campanhas da Fraternidade, coisa linda de se ver, com homenagens aos povos indígenas, aos negros, aos povos de outras religiões, mas para as mulheres... kd? O máximo que vi - e vejo - foi uma celebração da capacidade reprodutiva nossa. O fato de sermos  mães em potencial parece ser o único digno de alguma menção honrosa pela igreja. Olha. Chegou num ponto que eu achei melhor juntar meus santinhos, meu tercinho e ir rezar em casa. Porque eu acredito piamente que a Igreja me fornece escopo espiritual e místico que até transcende o meu entendimento, mas tenho que admitir (e veja bem, isso dói em mim, sabe?) que a liderança dessa igreja se utiliza da boa-fé do povo para perpetuar valores escusos.

Mas voltando ao assunto principal. Caso você ainda esteja lendo a mim e não ao texto que eu linkei sobre o padre Vieira (vai por mim, é muito melhor que o meu), fica a questão: não é interessante notar que o discurso utilizado por Antônio Vieira é praticamente O MESMO direcionado, ainda hoje, às mulheres? Porque, na boa, é praticamente a mesma coisa que eu sempre ouvi nas catequeses da vida (e faço um mea culpa aqui: até ensinei!): Negros, a salvação está no sacrifício. Trabalhem bastante, que do suor de vocês sairá a salvação. A abnegação os aproxima de Cristo.  E para as mulheres, o discurso passa sempre por “sejam mães abnegadas, sejam humildes, sejam obedientes, sejam carinhosas, sejam puras como Maria, sobretudo sejam católicas, que a felicidade vos aguarda no além”. 

Quando lemos textos tipo esses que eu linkei, sempre nos deparamos com a seguinte linha de pensamento: temos que analisar os fatos de acordo com aquele determinado momento histórico. Hoje em dia a escravidão é repudiada, abominável sob qualquer ângulo. Porém, naquele tempo (ah, naquele tempo...cai como uma luva para homens e instituições, mas ao falarmos de mulheres, o mesmo argumento não vale. Xuxa manda beijos!) os jesuítas conseguiram justificar teologicamente a escravidão, coisa que não seria possível hoje. Eu, Pollyanna que sou, sonho com o dia em que dirão a mesma coisa com respeito ao discurso direcionado às mulheres ainda hoje, que é um discurso de sacrifício, de entrega, de se deixar ser praticamente um tapete para os homens pisarem, porque assim nos aproximamos dos mistérios dolorosos divinos, assim nos assemelhamos a Maria, nos aproximamos de Deus.

Consciente que o assunto não se esgota aqui, eu acho que é tudo que tenho pra hoje. O meu otimismo dá uma baqueada quando vejo notícias como aquela que fala do veto que o Vaticano IMPÔS ao texto do G-20 no tocante à saúde sexual com o claro intuito de dificultar a soberania reprodutiva das mulheres. Mas já me acostumei com o fato de que toda mudança é lenta, dolorosa e demanda tempo. Eu preferiria mil vezes ter tempo de desenvolver um bloguinho sobre culinária ou unhas artísticas, mas infelizmente o mundo é uma merda grande demais pra eu não protestar um pouco. O que nos resta é resistir. 

P.S: Depois que escrevi o texto, me lembrei de um dos textos que li acerca de escravidão e mulheres. Pra quem é sensível ao discurso ateísta, eu não recomendo. Mas tenho certeza que li mais textos a respeito, se eu for lembrando eu "updeito" aqui :)

4 comentários:

  1. "MPF dá entrada em ação que permite a 'cura' de gays"

    Ao ler uma notícia dessas, após ler esse post eu imediatamente penso que as religiões cristãs buscam cercear os direitos dos negros, das mulheres e também da comunidade lgbt*.

    Realmente, "a palavra que conforta é a mesma que oprime". Eles dizem "nós amamos os pecadores, mas odiamos o pecado". Mas infelizmente a única coisa que eu vejo é "odeio quem é diferente e luto para que essas pessoas não tenham acesso aos direitos fundamentais".

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  2. Olá.
    Bom texto, concordo com tudo.

    Mas gostaria de fazer um adendo: você separa a religião institucional da fé individual.
    Acho que isso é um desserviço à humanidade por dois motivos.
    1) A fé, crença em algo sobrenatural sem provas, ou com provas em contrário, é a base do pensamento "religioso". Este pensamento é irracional. No indivíduo, gera idéias congeladas e a prova de lógica. Em grupos (e instituições) gera dogmas.

    2) Sobre o cristianismo em si, bem, respeito a sua liberdade religiosa, mas a Bíblia é uma afronta à humanidade. Escravidão, violência, misoginia... É monumental o malabarismo filosófico que um indivíduo tem que fazer para poder chamar cristianismo de "religião do amor".

    Não quero ofender. Sou ateu, feminista e anti-escravidão. Sonho com um dia onde, assim como o último item, eu não precise dizer que sou o segundo, pois seria assumido que todos somos.

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    1. Não ofendeu de jeito nenhum, eu concordo com o que você disse, especialmente no que se refere à Bíblia. Apenas não considero a fé, em si, um desserviço à humanidade. Continuo a ter fé, pois a fé é algo que transcende o meu entendimento, como expus no texto. Porém, isso não quer dizer de forma alguma que a minha fé seja cega, ou ainda que algum dia eu vá utilizar a minha fé para tentar oprimir xs outrxs. Enfim, obrigada pelo comentário, refletirei a respeito :)

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  3. Bom texto. Por esses e outros motivos deixei de ser católica. Foi opção mesmo, pesei minhas crenças e o que prega a ICAR e vi que não dava mais.
    1 - A vedação à ordenação de mulheres. Até hoje não consigo entender porque só o homem pode ser sacerdote. À mulher resta um papel secundário.
    2 - Proibição de casamento aos padres;
    3 - O dogma da virgindade perpétua de Maria. Para mim parece uma forma de excluir a santidade aos que fazem sexo. Porque convenhamos, a mulher é casada e ainda assim tem que permanecer virgem para ser santa? Fazer sexo com o marido é errado? Fazer sexo é errado?

    Há ainda outros fatores de ordem teológica, mas vou me limitar apenas aos já citados.

    Abraço,
    Francisca

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