terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Victoria's Secret e a reação feminista

Imagine um belo dia ensolarado em que você levanta e abre a sua janela, dá bom dia aos pássaros, contempla a natureza, faz o seu ritual diário de limpeza corporal e desjejum e senta em frente ao computador, não necessariamente nesta ordem.

Você abre o seu twitter e sorri, sem querer acreditar, ao dar de cara com suas amigas calorosamente celebrando o fato de que a rede de lingeries Victoria's Secret lançou uma campanha feminista.

Extasiada, você abre o link que está sendo compartilhado freneticamente por todxs xs seus contatos, e vê uma beldade negra, linda, curvilínea, com um enorme sorriso no rosto e uma calcinha rosa-choque com os dizeres “não significa não”. Estão fazendo lingerie que coloca a questão do consentimento em pauta. Você resgata a sua fé na humanidade, que andava abaladíssima, e pensa “agora sim as coisas vão mudar”.

Tudo lindo até que, mais tarde, a realidade bate ao seu twitter: não se tratava de uma campanha real da Victoria's Secret, que lançou nota dizendo não se responsabilizar pelas fotos divulgadas. Era tudo uma ação feminista. Tudo não passou de uma grande trollagem. Uma trollagem do bem.
Você então retoma seus afazeres, domésticos ou de trabalho, com aquela sensação de que tava bom demais pra ser verdade. Que alegria de pobre dura pouco. Que não tem jeito, as coisas não vão mudar mesmo.

Eu penso que a cena descrita acima ilustra a realidade de muitas, muitas mulheres norte-americanas que realmente acreditaram se tratar de uma campanha sensata da VS. Essa loja conhecida por reforçar padrões machistas que colaboram para a manutenção da cultura do estupro. A loja que apregoa a idéia de que é cool ser passiva e nunca discutir. A loja que lançou uma calcinha com os dizeres “sim, não, talvez” assim jogados ao vento, como se tudo não passasse de mero joguete de sedução. A loja que, pela sua própria decoração, vende a idéia de que a função primária da roupa íntima é seduzir. E que seduzir é uma obrigação de toda mulher. 


Eu confesso que perdi o babado todo, pois como já avisei aqui antes, eu geralmente vivo em órbita. Em resumo, meu jornal tá sempre velho. Acabei ficando decepcionada por saber que não se tratava de uma campanha REAL da VS mas, na boa, eu fiquei muito, muito feliz em perceber que nós, mulheres, estamos ganhando cada vez mais força e ficando cada vez mais articuladas. Seja em campanhas bombásticas como essa, seja em pequenos folhetos explicativos deixados em banheiros públicos, a realidade é que as redes sociais estão causando uma revolução no mundo. Enquanto os publicitários insistem em continuar em suas torres de marfim patriarcais, nós estamos aqui pra gritar e fazer valer os nossos direitos. E tem dado resultado.

A VS retirou o site dake do ar, mas o ocorrido não durou muito tempo. A justiça norte-americana reconheceu a validade do site, enquanto instrumento de protesto. Então vocês podem conferir a campanha aqui.

Eu sei que já tratamos disso aqui, mas nunca é demais reforçar e esclarecer acerca da cultura do estupro. Deixo-lhes as palavras das organizadoras da intervenção, as Feministas de Baltimore:

“Cultura do estupro trata-se de coisas que permitem que o estupro seja visto como normal e impede xs sobreviventes de falar abertamente a respeito. A cultura do estupro silencia. Em uma cultura do estupro, as pessoas estão rodeadas por imagens, linguagem, leis, e outros fenômenos do dia-a-dia que validam e perpetuam o estupro. Isso inclui piadas, tevê, música, propagandas, jargão legal, leis, palavras e imagens que fazem com que a violência contra a mulher e a coerção sexual pareçam tão normal que as pessoas pensam que o estupro é inevitável. Ao invés de verem a cultura do estupro como um problema a ser mudado, as pessoas em uma cultura do estupro pensam na persistência do mesmo como “é assim que as coisas são”. 


É importante que grupos menores, de base, levantem suas vozes e falem a respeito daquilo que lhes interessa. Quando as pessoas vêem uma imagem como Estupro é Estupro ou então PINK Ama Consentimento em um ambiente importante como o Facebook, mesmo que elas não se ocupem da imagem por muito tempo, isso pode ajudá-las a ver a cultura do estupro que antes estava invisibilizada. Ou então isso irá inspirá-las a criar uma imagem, uma idéia, uma realidade. Isso é importante porque mostra que não importa o quão grandes os gigantes corporativos sejam, as pessoas realmente possuem o poder de serem ouvidas e mudarem aquilo que as oprime utilizando-se das mesmas ferramentas. E nós podemos ser ainda mais eficientes do que esses gigantes”.

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Um comentário:

  1. Gente, não tem como ler um post desses e ficar indiferente. Felizmente, estou do mesmo lado que vocês. E devo admitir que há um tempo atrás não botava muita fé no ativismo de sofá via Facebook, por exemplo, primeiro porque eu não tenho um, mas aí, mesmo sem ter essa praga (apesar de tudo ainda o acho uma praga), fiquei por dentro da força que ele tem quando entram questões feministas e antifeministas em debate. Adorei a campanha feita e sobretudo a foto da mulher negra com os dizeres escolhidos. Acredito numa cultura de estupro, sim, e por se entranhar tão rapidamente e até inconscientemente entre as pessoas, é que ela se torna ainda mais perigosa e prejudicial. Como boa feminista, fiquei orgulhosa da Flávia, autora desse post. Que vocês continuem assim!

    Bjs

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