sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Esquerda, tem que ver esse machismo aí



A discussão acerca da seletividade do Direito Penal é urgente, mas não pode atropelar outra pauta tão essencial quanto essa, que é a do combate à violência contra a mulher. Infelizmente isso acontece. A esquerda questiona e problematiza várias coisas, mas o machismo continua sendo posto de lado.

Duas páginas, que antes desse episódio eu curtia, publicaram uma imagem que frequentemente é postada em páginas misóginas do facebook que simplesmente banaliza a violência doméstica. A imagem não foi postada sozinha, mas junto com uma matéria sobre uma fala da ativista Angela Davis em que ela disse que a criminalização da violência doméstica não basta para solucionar o problema e fez críticas ao sistema prisional/punitivo, mas ainda assim continua misógino. 

A imagem em questão é utilizada em várias páginas do facebook para desqualificar as denúncias de violência doméstica, colocando o dinheiro e aparência do agressor como um diferencial na hora de "gostar de apanhar" e na hora de denunciar. Uma das leituras possíveis da imagem é que a mulher é interesseira e não denunciaria caso o homem fosse rico.

Homens pobres e negros compõem majoritariamente a população carcerária brasileira e homens brancos e ricos raramente são condenados por seus crimes, mas essa imagem simplesmente culpabiliza a vítima. Coloca nos ombros dela a culpa disso tudo, ignorando que as mulheres também sofrem com essa dualidade do Direito Penal já que encontram desafios gigantescos para denunciar homens brancos e ricos quando eles as agridem e muitas vezes não o fazem por medo do poder do agressor. E também ignora a questão da dependência financeira que muitas vezes compõe o cenário da violência doméstica.


Comentário retirado da postagem de uma das páginas que
deixa claro o tipo de pensamento que a imagem reproduz.
A lei Maria da Penha foi sancionada em agosto de 2006, após a luta de entidades de direitos humanos que levaram o caso da Maria da Penha para a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A mulher que dá nome à lei sofreu duas tentativas de homicídio por parte do marido e ficou paraplégica. Na justiça, ele foi condenado, mas passados 15 anos e ele continuava livre. Com a pressão exercida por uma organização internacional, 19 anos depois, o agressor foi preso.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos levou em conta que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e afirmou que o Brasil era negligente e omisso quanto a esse tipo violência e recomendou ao país uma série de medidas para combater tal negligência. 

Após a decisão da CIDH, em 2003, houve a publicação da lei que determina a notificação compulsória, no território nacional, de casos de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados e posteriormente, em 2006, a Lei Maria da Penha. 

É essencial destacar que a condenação do Brasil na Corte se deu porque ficou provado que o caso em questão não era isolado, pelo contrário, era sistêmico. Documentos estatísticos sobre o período apresentaram o dado que apenas 2% das denúncias apresentadas aos tribunais que caracterizavam violência doméstica resultavam em condenação.

Indispensável também é ter em mente que a partir da criminalização da violência doméstica iniciou-se um processo de diminuição da negligência social/estatal com a violência doméstica e reconhecimento do problema. A existência da lei é apenas um passo dado no combate do problema e a trajetória dela expõe o quanto todas as instituições e como nossa cultura naturalizam tais agressões como aceitáveis. 

A imagem publicada, mesmo num contexto de crítica à seletividade do direito penal, é apenas mais um exemplo de como a sociedade ainda banaliza um problema social que coloca o Brasil em 7º lugar no ranking de feminicídios. 



A violência doméstica durante muitos anos era vista como um problema familiar apenas, um assunto privado que se referia apenas ao casal ou à família. A frase "em briga de marido e mulher não se mete a colher" é infelizmente quase um ditado ainda hoje. Desprezar o contexto social e histórico da violência doméstica numa "piada" é contribuir para a negligência e para a continuidade da banalização da misoginia. Violência doméstica não serve para piada de entretenimento e nem pra piada crítica do Direito Penal. 

Instituir políticas sérias de combate ao machismo e modificar a cultura que naturaliza a violência nas relações entre homem e mulher são outros passos que precisam ser dados no combate a violência de gênero. Reproduzir a imagem criticada é desprezar a importância da mudança cultural na transformação da realidade social, tanto para diminuir as agressões contra as mulheres, quanto para modificar o sistema penal brasileiro.

Biblografia: A Lei Maria da Penha na perspectiva da responsabilidade internacional do Brasil - Flávia Piovesan e Sílvia Pimentel. 

Brasil só criou Lei Maria da Penha após constrangimento internacional 

Indicação: Violência Doméstica não é piada! 

3 comentários:

  1. Participei de um encontro feminista misto e um dos caras que estava ali conversando com a gente simplesmente assobiou para uma mulher passando. Esse caso pra mim mostra como eles raramente param para refletir das implicações do machismo deles já que no meio de um encontro feminista ele assediou uma mulher, né? O cara é de esquerda, milita arduamente contra o Estado punitivista e contra uma série de coisas que eu luto também, mas veja só, ele não está disposto a modificar o comportamento dele, mas tá disposto a criticar as mulheres que buscam ações do Estado para punir tais comportamentos machistas.

    Gia

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  2. Essa esquerda precisa ser menos misógina para conseguir ver que "ser contra qualquer criminalização" no presente momento é achar efeito colateral que mulher morra na mão de homem todo dia. Tenho nojo dessa esquerda irresponsável que não sabe criticar punitivismo de forma sensata e quer aplicar utopia no presente, sem haver qualquer transformação na sociedade.

    Amigos da esquerda, se você é contra criminalização porque acha que tem outras medidas e todas elas envolvem mudanças culturais e compartilha uma imagem como essa, você precisa desconstruir um mundo ainda de misoginia, sabe? Seu compartilhamento, seu pensamento misógino só contribui pra violência contra a mulher e sim, contribui pra necessidade da criminalização existir até que haja as transformações necessárias.

    NOJO DESSA IMAGEM

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  3. o machismo induz a violência ,providencia já !

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