terça-feira, 16 de outubro de 2012

Guestpost: O Tatu Bola e o espaço público em Porto Alegre

Augusto Salla é publicitário, tem um blog e tem ataques histéricos no Twitter.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21



Nesta altura do campeonato, já deve ter ficado claro que o grande legado da Copa do Mundo de 2014 (e das Olimpíadas de 2016) estará dentro do bolso de grandes empreiteiras. Da promessa de uma nova infra-estrutura para toda a população, a única coisa que vemos são estádios financiados pelo dinheiro público e violência contra a população mais carente.

Assim como ocorreu no Pan em 2007, na Cidade do Rio de Janeiro, a especulação imobiliária entra forte para lucrar o máximo possível independentemente dos custos sociais, enquanto o Estado usa de todo o seu aparato para “maquiar” a cidade. Isso é de praxe em grandes eventos esportivos no Terceiro Mundo: na África do Sul, o Estado também removeu a população carente dos centros das cidades para que os turistas não os encontrassem:




Na Vila Chocolatão, no Pinheirinho, no Vidigal ou em tantos outros lugares Brasil afora, é certo que há muita precariedade, falta de saneamento básico e por vezes, a ausência completa do Estado que deixa de cumprir obrigações básicas para com o povo. Assim, o que o Estado faz é usar as suas próprias falhas como justificativa para arrancar as pessoas das suas casas quando está apenas atendendo a interesses privados.

O que vemos é que as pessoas são jogadas para cada vez mais longe da cidade perdendo não apenas as suas casas, mas também (e especialmente) as suas comunidades. E o pior é que muitas famílias só possuem promessas do Poder Público de novas moradias: as pessoas estão sendo expulsas das suas casas sem o Governo garantir um teto - por vezes, se obrigam a receber um auxílio-aluguel que dificilmente cobre as despesas de uma moradia digna e acessível.

Neste jogo, quem apanha é o pobre e quem faz o papel de agente do especulador é a polícia. É ela que reprime manifestações, que agride e que obriga as pessoas a saírem das suas casas.

O que vem acontecendo em Porto Alegre

A especulação imobiliária está firme e forte em Porto Alegre assim como a higienização da Cidade Baixa, bairro bohêmio da cidade. Ainda no primeiro semestre, a Prefeitura fechou o cerco aos bares com a justificativa de que a maioria não era regulada e que incentivavam a baderna durante a madrugada.

Esse cercamento ao bairro acabou por afetar não apenas quem curtia a vida noturna, mas diversos profissionais que faziam a sua vida ali resultando em desemprego para garçons, cozinheiros e músicos, conforme lembrou na época o advogado Marcelo Almeida. Inclusive, os músicos da cidade realizaram uma manifestação de protesto.

É importante salientar que a questão gira em torno da falta de alvarás dos bares, mas que as secretarias da Prefeitura têm dificultado há anos a entrega de alvarás aos empresários.

Pois bem, por mais que possamos encontrar razões (justas!) para uma maior fiscalização nos bares da região, a verdade é que o objetivo é higienização, é tirar o povo da rua, transformar o bairro para que a especulação imobiliária faça o que gosta de fazer: inflacionar valores e lucrar.

Aliás, mesmo aqui, numa fiscalização a estabelecimentos privados, a Brigada Militar se comportou de forma agressiva buscando intimidar os presentes nos bares ao entrar com armas em punho quando acompanhavam os fiscais. E aí pergunto, pra quê?

O Araújo Viana

O Auditório Araújo Viana era patrimônio público e se localiza em um dos maiores parques de Porto Alegre, tendo sido palco de atrações para o povo há muito tempo. Infelizmente, ele se encontrava em péssimas condições por descaso do Poder Público.

A solução: privatizar! Parceria do poder público com o setor privado para reformar (e lucrar muito). Não importa que agora é caro, do ingresso à latinha de refrigerante, o local está ótimo, então a classe média está muito feliz.

O Largo Glênio Peres

No Centro de Porto Alegre, ao lado do Mercado Público, existe o chamado Largo Glênio Peres. Este local sempre foi reservado para pedestres, manifestações e feiras, inclusive, uma Feira de Economia Solidária que ocorria periodicamente no local.

Com o absurdo do trânsito de Porto Alegre, a Prefeitura notou que havia um espaço no Centro que AINDA não havia sido colonizado por carros: o Largo Glênio Peres. Tchau feiras, tchau manifestações culturais, tchau espaço público para o cidadão, agora, durante todo o final de semana, o espaço é estacionamento.

Não contente com isso, a Prefeitura deixou a Coca-Cola “adotar” o Largo. Adotar, claro, é eufemismo para transformá-lo em espaço privado de publicidade para a marca.


O povo então foi se manifestar numa Defesa Pública da Alegria: parem com as privatizações do espaço público e devolvam a alegria e a democracia que tornou Porto Alegre referência em políticas republicanas para o resto do país (não é mais, mas já foi).

Dançamos, cantamos, beijamos, nos abraçamos, sorrimos e nos divertimos pra caramba. Sem violência, sem baderna, apenas alegria.

Entretanto, lá estavam cerca de 20 policiais da Brigada Militar guardando um BONECO INFLÁVEL, propaganda de uma empresa privada em um espaço PÚBLICO. Está certo, o policiamento em Porto Alegre está perfeito que pode deixar 20 brigadianos guardando um boneco inflável.

Danillo Ferreira, Tenente da Polícia Militar da Bahia, foi muito lúcido ao escrever que

Dentre todos os elementos que podem ser discutidos em momentos assim, o que agora nos chama a atenção é a natureza dos bens jurídicos que são postos como centrais nos esforços e dedicações das polícias. Como instituições com justificativa existencial pública, não é demais indagar sobre como se deve interpretar a designação de tal aparato policial para a defesa de um boneco de plástico. Mais: expor policiais ao confronto com manifestantes, e expor manifestantes ao confronto com policiais, em um jogo de interesses que não haveria de ter outro resultado.

Um dos manifestantes entrou no cercado ao redor do boneco e ficou por lá. Tocou pandeiro, fumou um cigarro. Mais nada, sem tentar furar o boneco, sem tentar derrubá-lo. Apenas ocupou um espaço PÚBLICO.

Então a Brigada Militar agiu como sempre age ao encontrar manifestações populares: partiu para a violência contando com o reforço de mais QUARENTA policiais, totalizando 60 brigadianos para defender um boneco inflável. Com truculência, foram para cima do manifestante e foi aí que o Largo Glênio Peres e arredores se tornaram um campo de batalha, pois os manifestantes reagiram - alguns atacando a Brigada, outros se defendendo, derrubando as grades do tatu e outros ainda defendendo pessoas que estavam sendo agredidas de forma bárbara pela polícia.

Pois, ora, não é barbárie agredir uma pessoa já jogada no chão e dominada? Não é barbárie correr atrás de manifestantes por mais de 100m com a única intenção de agredir? Não é barbárie bater na cabeça, quebrar braços, dar tiros de borracha à queima-roupa em pessoas desarmadas? Não é barbárie arrancar o celular de uma pessoa que não estava atacando a polícia e ainda agredi-la? Não é barbárie espancar pessoas que nem na manifestação estavam, mas tiveram o azar de estarem nos arredores naquele momento?

A justificativa da Brigada Militar era de que os manifestantes haviam danificado o boneco. MENTIRA! Conforme Hilton Muller, delegado da Polícia Civil, o boneco NÃO FOI danificado.

O boneco teve o seu aparelho de ventilação desligado após a Brigada Militar e a Guarda Municipal começarem as agressões. Quem foi? Tanto faz!

Mesmo que o boneco houvesse sido danificado por algum manifestante, isso não justificaria a truculência e violência desmedidas da Brigada Militar. Ora, o que vale mais, a vida e integridade física do ser humano ou a porcaria dum boneco inflável? Pra lembrar: bonecos infláveis não sangram.

Marcelli Cipriani relata que

Câmeras fotográficas e celulares dos que tentavam registrar as cenas mais violentas foram arrancadas e quebradas. Nenhuma policial possuía identificação na farda, e todos negavam-se peremptoriamente em conceder seu nome. Perguntou mais de uma vez? Vai apanhar também.

Amigas minhas, favoráveis e contrárias à derrubada do boneco, mas que não se encontravam nem ao menos perto dele, tiveram cortes na cabeça e o braço luxado. Uma, porque foi juntar os pertences de um menino que apanhava. Outra, porque – longe do tumulto – pediu, ingenuamente, para conversar. Ambas, já no chão, continuaram sendo brutalmente agredidas, física e verbalmente, sendo chamadas de vagabundas, putas, vadias, e todo o arsenal de armas verbais que jamais serão capazes de vencer uma luta.

Mas você pode achar que não foi nada demais. Buenas, olha aqui:



Esta violência da Brigada Militar NÃO É ISOLADA. É institucional! Não é por acaso que o Impedimento mandou uma carta aberta ao Governador do Estado do Rio Grande Sul pedindo o fim da presença da BM nos estádios.

O modus operandi das polícias ao encontrar manifestações populares é sempre o mesmo: repressão através da violência para defender os interesses de grandes empresas. Confira o documentário "Domínio Público". 

Assim, a discussão não deve se limitar a se os manifestantes destruíram um boneco inflável (e não o fizeram), mas 1) por que os espaços públicos das cidades estão sendo privatizados? 2) até quando a polícia irá agir de forma ignorante, bárbara, violenta e truculenta quando encontra manifestações públicas? 3) até quando teremos essa anomalia inconstitucional que são as polícias militares?  


3 comentários:

  1. Quero fazer um adendo aqui: por mais questionamentos que eu tenha em relação à polícia, este texto NÃO É um texto contra a polícia, a ordem, a lei.

    É justamente o contrário: o que eu quero é que a Polícia CUMPRA a lei. E agredir (física e verbalmente) gratuitamente manifestantes como faz por todo o Brasil, abusar da força bruta em tantas situações diárias agindo como se fossem JUÍZES (não são), e destruir celulares e câmeras que gravam o que estão fazendo NÃO É CUMPRIR A LEI.

    Tanto é que estão tentando destruir os aparelhos com imagens do que eles estão fazendo E, PIOR AINDA, o que é mais contravenção, NENHUM DELES ESTÁ IDENTIFICADO, o que é bem comum quando encontram grandes aglomerações de pessoas. Ora, se não estão identificados, é porque sabem que vão agir contra a lei.

    ResponderExcluir
  2. Caracoles, que absurdo! A foto do guri ensanguentado é chocante. Que raiva.

    ResponderExcluir
  3. E tudo isso tá ai acontecendo de novo. Não só em Porto Alegre. O que podemos fazer?

    ResponderExcluir