segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Mulher, jovem, grávida e solteira


"Eu estava grávida. E aí meu mundo caiu. Me escorei em um prédio e me agachei no chão de uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Chorando em soluços desesperadamente. Ali senti minha vida acabar, pensei em todo o horror que uma gravidez inesperada representa, pensei em todos os meus sonhos sendo destruídos, na minha vida sendo esmagada. Tudo o que eu era foi quebrado de repente com o resultado de um exame." (Paula Mariá, no texto "O terrorismo da gravidez")

É dessa forma que a Paula Mariá descreve o momento em que abriu o exame de Bhcg e descobriu-se diante de uma gravidez inesperada. 

Antes de mais nada, das quatro características do título, posso dizer apenas que sou mulher. Estou a poucos passos de adentrar os 30 anos, uma idade fatídica para uma mulher em nossa sociedade, a idade que dizem fazer tocar o tal do relógio biológico (essa babaquice). Passei incólume pela adolescência e pelos 20 anos sem engravidar e tenho um relacionamento bem estável na minha vida, embora não seja casada. Por isso, desde já eu peço desculpas por escrever sobre algo que não é minha alçada, mas me sensibiliza demais: terrorismo, os julgamentos, a infantilização da mulher jovem, grávida e solteira.  

É muito possível que boa parte de vocês, leitores, tenha passado/esteja passando por essa situação ou conheça alguém que esteve nessas condições, pode ser alguém na família, uma amiga, uma conhecida. Porque por mais que as pessoas gostem de pensar que família é aquela coisa engessada: pai, mãe, irmãs, irmãos, a coisa nunca foi exatamente assim. Sempre existiram famílias que não se enquadram na tradicionalidade desse modelo. As famílias estão cada vez mais diversificadas e o modelo monoparental é muito comum, especialmente nas classes menos abastadas. Então porque estamos sempre tecendo julgamentos sobre uma família que é formada por uma jovem sem marido? Eu mesma já me peguei em pensamentos como: "coitada, tão nova, tanta coisa para viver antes de ter um filho..." e como eu me arrependo de já ter pensado dessa forma um dia. 

Então vamos por partes, um adjetivo de cada vez: mulher, jovem, grávida e solteira.  

A mulher que está aí nesse mundão patriarcal de meldels ainda está escrevendo uma história de luta por igualdade e isso não é novidade para ninguém. Esse blog está recheado de textos sobre a questão do preconceito de gênero, da violência, enfim, dos inúmeros desafios que a condição de se identificar como mulher significa. E desconfio que todos os outros adjetivos do título signifiquem em nossa sociedade uma condição desqualificadora, principalmente, porque designam a situação de uma mulher.  

Juno, um filme sobre
gravidez na adolescência
Ser jovem acrescenta à condição de ser mulher uma característica: A inexperiência. Para muitas pessoas inexperiência é sinônimo de incompetência ou imprudência, e não é bem assim... Atribui-se à juventude a capacidade de quebrar regras, destruir tabus, contudo também vemos por aí uma juventude que "decidiu esperar", que reforça algumas regras. Então, essa característica não é plena, não é universal. Acho que o que deveríamos realmente esperar da juventude é que ela seja livre para fazer escolhas. É muito importante compreender que a adolescência e, porque não dizer, o começo da vida adulta é um período um tanto confuso em que ainda estamos tentando nos entender. E talvez ninguém falará melhor sobre esse assunto do que uma pessoa jovem. Por isso recomendo muito o vídeo da Tavi Gevinson para o TEDTeen, que não fala de gravidez, mas de juventude (é preciso habilitar as legendas que infelizmente estão disponíveis apenas em inglês).



Eu não entendo como temos simultaneamente visões tão opostas da juventude, por um lado, acreditamos piamente que eles são o futuro, que eles são os detentores da mudança. E por outro, estamos sempre falando que eles são estúpidos, incapazes, imprudentes. Porque só reconhecemos os dois signos, os extremos, jamais observando o que está no meio.   

As duas últimas características, grávida e solteira, são melhor entendidas juntas, já que são vistas de forma antagônica. Isso porque a gravidez é celebrada, desde que dentro de um casamento. É assim que a nossa sociedade gosta de definir a felicidade para uma mulher: Através do casamento e da maternidade subsequente. Se a mulher engravida mas recusa o casamento, ela não pode ser feliz. Ou até pior, se ela engravida e está solteira ela não apenas é uma pessoa infeliz, como é uma vadia (mulher que faz sexo: esse tabu!). 

Está todo mundo aí botando na cabeça das mulheres que elas nasceram para o propósito da maternidade, mas se ela for muito jovem, ou não estiver casada, não será capaz de criar o próprio filho, de prover todas as necessidades afetivas e financeiras que uma criança demanda e tampouco será capaz de viver a sua própria vida. Como se a partir do momento em que se descobre grávida, a mulher fosse obrigada a deixar toda a sua identidade de lado, para ser apenas mãe. Essa visão chapada da mulher esconde que, dentro dela, existe lugar para uma pessoa multifacetada, complexa e até contraditória. Não por ser mulher, mas por ser uma pessoa. Pessoas são assim, são mais do que uma única característica a ser reforçada.  

O que não se fala em alto e bom som, é que a mulher solteira tem um significado que deve arrepiar até os pentelhos de uma sociedade machista como a nossa: Ela não depende de um homem.  Antes que alguém grite "pensão", aviso logo que não estou falando meramente da questão financeira. Me refiro à sua independência de forma mais ampla, da sua capacidade de gerenciar uma família, de criar os filhos e principalmente de continuar vivendo. 


Slut-shaming e culpar a mãe:
Duas formas de expressar machismo
Apesar disso, a mulher que passa pela gravidez nessas condições sofre todo tipo de julgamento, a maioria das mães solteiras são questionadas e cobradas de muitas maneiras, especialmente no tocante à paternidade da criança, o tal do "quem é o pai?","vocês vão morar juntos?" ou "vocês pretendem se casar?". Até tem pessoas que perguntam isso na melhor da intenções, no sentido de "o que ele está fazendo para te ajudar a criar o seu filho?". Mas de forma bem geral (óbvio que existirão casos diferentes), parece que existe a cobrança por uma família tradicional ("Toda criança precisa de um pai!"). 

Se a mulher está solteira, existe um motivo, ou ela quer estar solteira e não cabe cobrar a presença do pai, ou ela não quer, mas foi abandonada, e nesse caso a pergunta se torna bem dolorosa. Ademais, duvido que exista a cobrança do outro lado, que exista sempre alguém buzinando no ouvido do pai da criança para ele assumir suas responsabilidades, ou olhando torto porque ele tem um filho e não é casado. Não parece haver simetria nessa relação, como normalmente não há quando o assunto é o que a nossa sociedade espera de um homem e o que espera de uma mulher.

Não pára por aí! Os ataques à mulher podem ser muito mais agressivos. Existem aquelas pessoas que suspeitam das intenções da mulher, chamando-a de interesseira ("só quer a pensão" e "golpe da barriga"), pessoas que tentam puní-la por engravidar ("Na hora de fazer foi bom, agora não reclama"), e ainda outras que a condenam por sua vida sexual pregressa, ou simplesmente por ter uma vida sexual ("dava para todo mundo" ou "De santinha só tinha a cara") e etc. 

Entretanto, talvez a mais dura de todas as críticas venha da família: "Envergonhou a família". Ouvir esse tipo de agressão de quem mais se ama dói profundamente. Me emociona demais pensar nas muitas moças que são expulsas de casa por uma família que preza pela tradição. E são muitas mesmo. Eu me pergunto porque alguns pais jogam sobre a filha as suas frustrações de tal maneira, que se uma coisa sai diferente do que eles imaginaram para sua vida, ela não merece mais viver debaixo do mesmo teto que eles, tampouco ser chamada de filha. Não consigo chegar numa resposta. O que há de tão horrível em entender que aquela não é a vida deles? E nesse momento de rejeição o que já é suficientemente confuso e desconcertante até numa família que dá apoio, se torna um monstro engolindo os sonhos, as pessoas amadas, o futuro, tudo.


Uma gravidez não estraga uma vida, ela só a transforma, muda a sua direção. A vida me parece ser mais do que um ideal de felicidade que te entregaram pronto e embalado para consumo. As coisas seriam muito melhores para a mulher jovem, grávida e solteira se pudéssemos olhar para ela sem achar que por ser mulher, ela é frágil, que por ser jovem, ela é imatura ou incompetente, que por estar grávida, ela é burra ou piranha, e que por ser solteira, ela é infeliz. Talvez isso impedisse que tantas mulheres se sentissem diante de um abismo, do fim da sua vida, no momento em que recebem a notícia de uma gravidez inesperada. Antes de repetir esses julgamentos deveríamos pensar que tudo o que dizemos individualmente, ou coletivamente, e que à cada imagem fazendo troça da mulher que engravidou sem planejamento, geramos o sentimento de culpa, desespero, medo e aflição. Estamos constantemente abalando sua autoestima a cada vez que reforçamos esses estereótipos, a cada mulher para quem dizemos (ou mesmo pensamos): "Que pena, tão novinha..." 


12 comentários:

  1. Se você quer filho, sozinha, ouve merda. Se não quer nunca, idem. Não tem escapatória.

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  2. Mesmo dentre mulheres mais velhas e/ou casadas, existe uma imensa infantilização na gravidez. Um livro que aborda isso é A maternidade e o encontro com a própria sombra, de Laura Gutman. Os médicos, a sociedade toda, a mídia infantilizam demais esse momento. Rendas e uma barriga fofa a ser exibida que nÃo conectam com o que virá depois. "Faz o quartinho do bebê, quem tem que pensar no parto é o doutor" (!)

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  3. Mulheres viram super-mulheres quando engravidam ,não a nd de errado nisso,poís a natureza nos entregou essa bela missão ,ter filho cuidar dele se virar isso sim é natural ,já a obrigação como esposa submissa aguetando chatice de homem é algo da cultura ,VIVA as mulheres solteiras sou filha de uma e fui muito bem criada .....

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  4. Todos passam a tratar a grávida como se fosse uma incapaz, cobrando dela decisões ou pior: querendo tomar por elas. E sempre sob o argumento 'eu só quero ajudar, coitada'. Outra coisa super invasiva: opinam sobre o que vc come, bebe, perguntam se vc parou de usar tintura para cabelo, mandam vc comer coisas que lhe causam asco (no meu caso, fígado) para ajudar o bebê e qdo vc diz NÃO, olham como se vc fosse a pior das pessoas na Terra. E todo mundo acha que tem o direito de tocar na sua barriga sem pedir consentimento. Enfim: vc passa a ter sua existência própria (independente do que carrega na barriga) desconsiderada. E não pára por aí: depois do nascimento, passam a 'exigir' que vc viva em função do filho. Argh! Essa é a pior parte da maternidade, na minha opinião.

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    1. Ai, Fátima. Quanto desrespeito, quanto abuso. Faltou lá no bingo o "eu só quero ajudar, coitada".

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    2. Eu tive um filho aos dezesseis anos e a quantidade de absurdos que eu ouvi de todos os lados (e ouço ainda) foi enorme. Pior é quando tentam te obrigar a comer o que você não quer falando "você não quer, mas o bebê quer!" Pô, ele tá dentro de mim, acho que eu sei melhor do que ninguém o que ele tá querendo! (tentaram me fazer beber cerveja preta falando que fazia dar leite, olha o perigo!).
      E sua barriga vira dominio público, gente no onibus que c nem conhece já chega colocando o mãozão. Uma vez eu fiquei tão irritada quando uma ilustre desconhecida chegou falando "posso passar a mão na sua barriga?" que eu perguntei "posso passar a mão na sua bunda?" quando ela ficou chocada eu disse "ué, minha barriga é parte do meu corpo assim como a sua bunda é do seu. Você não deixa os outros passando a mão na sua bunda por ai, não quero ninguém passando a mão na minha barriga também." Ela saiu brava, que coisa né?

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    3. Anônimo das 19:51:

      Quem você acha que é para julgar-me sem ao menos me conhecer? Eu amo minha filha e não a trato como um cachorro (se bem que nem cachorro eu jogaria na rua). O que eu disse é que querem que vc anule a sua própria existência para servir ao filho, renunciando à sua humanidade em prol do filho. Eu sou mãe, amo a minha filha; mas continuo sendo uma pessoa, nãomsou um reles útero.

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    4. Gente, Fátima, me desculpe, normalmente não deixo passar esse tipo de comentário, passou batido no meio do monte que aprovei hoje, me desculpe!

      E anônimo, seus comentários de ódio não serão mais tolerados.

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  5. Gente, esse post não tem nada a ver com assunto e nem o link mas precisava compartilhar essa tristeza. Perdemos uma colega de luta: http://bordadosfeminista.blogspot.com.br/

    E fico imaginando como seria com blogs de autoria coletivos, aí a vontade de chorar aumenta horrivelmente. Desculpe pelo clima bad. Mas queria dividir :´(

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  6. Olha, meu pai criou a mim e meus dois irmaos sozinhos e eu tinha uma tia que vivia dizendo que ia arrumar uma mulher para ele, para cuidar da gente. Toda hora estava apresentando uma mulher para ele, infelizmente meu pai é mto influenciado pela familia e acabava aceitando essa "ajuda".
    Eu mesma admito que achava estranho ver um homem sozinho com as crianças e nao acompanhado de uma mulher, tipo "nossa, o cara nao é casado? será que é ele que cuida das crianças? que estranho." Isso no meu inicio de adolescencia.


    Pra vc ver como são as coisas...

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  7. Eu sempre tive pensa das mulheres que engravidavam jovens (eu pensava: coitada, agora todo mundo vi querer que ela só fique cuidando da criança e o pai nada, com certeza...). Mas me deparei como alvo do preconceito (mesmo sem ter tido filhos ainda) certa vez que fui buscar meu irmaõ na creche (ele nasceu quando eu tinha 18 anos, então, eu tinha 19 e ele um ano). Dai lá estava eu toda faceira com ele no carrinho, quando paro pra esperar pra atravessar a rua e escuto de um casal: a mulher- que horror, tão nova e já com filho. o homem: é, deve ter uns 16 anos. Engravidou tem que criar. (algo do tipo, não me lembro a frase exata). Eu fiquei chocada, eles estavam falando de mim, do meu lado, como se eu não pudesse ouvir. Eu poderia ter dito: ele é meu irmão e eu tenho 19 anos! mas eu fiquei tão furiosa que eu tive vontade de fazer várias coisas q não fiz nada. Eu deveria ter enchido eles de desaforo ou dito: o filho é seu por acaso? Na hora eu comecei a pensar que o pior não é você engravidar jovem e ter q criar um filho. Muita gente faz isso e bem. O pior é ter que aguentar a opinião de gente babaca o tempo todo! As pessoas tem ódio de jovem grávida e solteiro! É monstruoso!

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  8. E essa questão ainda abrange as crianças. Todo filho de mãe solteira já ouviu um "Mas e seu pai?" perguntado da forma mais natural. Festa de dias dos pais na escola, nem se fala. A criança deve achar um substituto, sempre do sexo masculino, para dar a lembrancinha feita na aula. Mesmo depois, quando se fala o quanto é normal na sua vida não ter um pai, recebe os olhares (ou comentários!) de "ah, tadinha" e as tentativas de mudar de assunto rapidamente como se essa "falha" na vida familiar não pudesse ser comentada, ainda que seja vontade da pessoa.

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