Quando eu era criança, uma menininha muito falante e bochechuda, eu falava para todo mundo que eu queria ser paleontóloga. Eu adorava pedras, dinossauros, brincar de lego, criar histórias, ler histórias, ler enciclopédias, desmontar coisas para ver como elas funcionavam (e eu fazia isso sempre com calculadoras), brincar de lego e construir universos para brincar que incluíam bonecas Susi, personagens de Dragon Ball Z, pokemóns, dinossauros, cavalos e a casinha do Mickey. Gostava de montar barraquinhas com lençóis que viravam um verdadeiro outro mundo onde um ursinho de brinquedo minúsculo era uma imperadora chamada Yasmin.
E eu não quis ser só paleontóloga, quis ser astrônoma, jornalista, escritora, pintora, contadora de histórias, atriz e professora. Queria saber do que nosso planeta era feito, como as pedras surgiam, como eram feitos os brinquedos e como contar piadas e assobiar (as duas últimas nunca consegui aprender). E eu não era a única menina que tinha diversos interesses e sonhava com as mais diversas carreiras. Lembro de várias meninas dizerem que queriam ser juízas, fotógrafas, médicas, veterinárias, professoras, atrizes, escritoras, cozinheiras, atletas e cientistas.
Só que a maioria das meninas tem seus sonhos e oportunidades restringidos pelos papéis de gênero. Desde cedo, ao invés de brincar, elas são ensinadas a cozinhar, arrumar a cama, cuidar do irmão, varrer e a se conter. Algumas meninas sequer podem frequentar a escola. A maioria das meninas tem seus sonhos minados aos poucos porque ouvem que não servem para serem médicas, cientistas, poetisas. Ouvem que não são boas o suficiente o tempo todo e descobrem que vivem em um mundo em que ser mulher é visto como algo inferior. Logo descobrem que quando são boas em alguma coisa, é comum que se ouça coisas como "você é até boa nisso, para uma menina". E as meninas logo percebem que os meninos que brincam com elas são ofendidos pela palavra "mulherzinha" e cada dia que passa elas percebem que quando foram designadas ao nascer como meninas foi escolhido para elas um destino cheio de regras e que as coloca como inferiores. O destino cheio de regras se estende também aos meninos, mas para eles, o papel é outro, é o papel de superior.
É comum que coloquem toda a discussão sobre a divisão de brinquedos para menino e para menina como uma coisa boba, pequena, insignificante. Mas é essa divisão que, no futuro, se torna a divisão sexual do trabalho e faz existir a dupla jornada. É na infância que é ensinado que meninas devem cuidar da casa e das pessoas e que meninos podem ser o que quiserem, desde que não seja algo feminino. É sem a divisão sexista dos brinquedos, tarefas e cores que todas as crianças aprendem que podem ser o que quiserem. E começam a sonhar, aprender e buscar quem elas querem ser. Essa divisão só serve pra enfraquecer a autoestima das meninas e restringir os sonhos das meninas às caixinhas padronizadas e tradicionais que ignoram que cada um de nós é único e tem poder de construir a própria história.
Imagens retiradas de "24 Badass Halloween Costumes to Empower Little Girls."
Recomendo: Texto da Daniela Andrade sobre crianças, brinquedos e normatização de gênero AQUI
Observação: 70% das 1,3 bilhões de pessoas em extrema pobreza no mundo são meninas e mulheres.
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