sexta-feira, 30 de maio de 2014

Revogação da Portaria 415: e o aborto permitido por lei, não será seguro e gratuito?

A legislação brasileira permite abortos nos casos em que a gravidez decorra de estupro ou que coloque em risco a vida da gestante. Além desses dois casos, o STF, descriminalizou, no ano de 2012, o aborto do anencéfalo.

A legalidade deveria assegurar gratuidade e segurança no procedimento. A mulher que buscava o Sistema Único de Saúde para a realização do aborto encarava uma odisseia e raramente obtinha sucesso na empreitada.

No último dia 22 de maio, foi publicada a Portaria 415 incluindo na tabela de procedimentos do SUS a interrupção da gestação/antecipação terapêutica do parto nos casos previstos em lei, em substituição à expressão "curetagem". Havia, finalmente, uma garantia mínima de que dignidade para as mulheres que dela necessitassem, com o procedimento adequado. Sem que houvesse tempo para a aplicação prática da Portaria, houve articulação política para a revogação da norma.

A barganha política atendeu o clamor de um grupo fundamentalista, ignorando, mais uma vez, a laicidade do Estado. Mais um retrocesso comemorado pela bancada evangélica que empurra às mulheres, independente de suas crenças, o que lhe parece acertado.

Os argumentos para a revogação são infundados, afirmou-se que a regularização favoreceria abortos ilegais, que não havia necessidade rigorosa de comprovação de que a gravidez era decorrente de estupro ou mesmo que o médico seria obrigado ao procedimento ainda que contrário às suas convicções religiosas.

Considerando que em duas das hipóteses a legalidade é comprovada por mero atestado médico, resta mais uma vez questionada a idoneidade da mulher. A palavra de quem afirma ter sofrido um estupro é colocada em descrédito, vez que ela tem que provar a ocorrência do crime, independente da dor que sente, da vergonha, do tempo que se passou e da iminência de ter uma prole indesejada, fruto de violência sexual.

A revogação da portaria atinge, mais uma vez, a dignidade de mulheres pobres, que não podem pagar pelo procedimento seguro e se submetem aos métodos perigosos e clandestinos.




Segurança na realização de aborto nos casos previstos em lei é uma questão de saúde pública. O Estado é laico, então a moral e a religião não podem influenciar nessa questão.

Se essa notícia também lhe pesou como um retrocesso aos direitos das mulheres, atente para a nossa convocação. Tire uma foto com sua manifestação de repúdio à revogação da Portaria 415 e em favor da laicidade do estado e envie para ativismodesofa@gmail.com. A Page do Ativismo de Sofá no Facebook fará um álbum com as imagens enviadas.

Organize, articule, escreva, levante-se. Em SP já há um ato organizado. E twittaço com a hashtag #AbortoLegal marcado para o dia 06/06. 

*Aborto legal, seguro e gratuito não é apenas direito das mulheres, homens trans e pessoas não binárias com útero também podem engravidar.  A reivindicação é para todas essas pessoas. 

Textos que recomendamos:

Revogação da Portaria Nº 415: na contramão dos direitos humanos das mulheres brasileiras - Nota de repúdio. 
Aborto não é palavrão: entenda a portaria 415 - Lugar de Mulher 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Feminicídio e misoginia: por que é tão importante usar essas palavras?

Machismo mata mulheres todo dia - Grafites Feministas
Mais um caso de massacre com motivação misógina ocorreu na última sexta-feira (23/05). Elliot Rodger esfaqueou três colegas de quarto e atirou em duas mulheres no campus, além de atirar sem alvo até ser encontrado morto em sua BMW. E a mídia, em sua grande maioria, mais uma vez, ignora a questão de gênero que está por trás desse crime.

Elliot Rodger deixou claro o quanto odiava mulheres em um vídeo gravado por ele em que ele culpava as mulheres por sua solidão e jurava vingança contra todas as mulheres que o rejeitou se referindo a elas como "vagabundas mimadas". Foi achado um diário de 140 páginas em que ele destila seu ódio com frases como "Mulheres não merecem ter qualquer direito". 

No Brasil, ocorreu um massacre em Realengo, em 2011, quando Wellington Menezes entrou numa escola e assassinou dez meninas e dois meninos. Quando isso ocorreu, por mais que o crime claramente tivesse sido motivado pela misoginia e essas meninas tivessem sido vítimas por serem mulheres, a mídia não se pronunciou a respeito. E assim como Elliot, Wellington tinha vínculo com grupos masculinistas. 
Fonte
Mas a misoginia não influencia apenas ataques em massa, mas também nos assassinatos de mulheres por seus maridos, ex-namorados e até mesmo pais. Quando a cultura misógina diz que mulheres devem obediência aos homens e que pertencem a eles, ela influencia esse tipo de crime. O feminicídio de Eloá é emblemático: seu ex-namorado, Lindemberg, invadiu a casa de Eloá, onde ela estava fazendo trabalhos escolares e ela e uma amiga foram mantidas por ele em cárcere privado . A amiga dela foi liberada e participou das negociações e depois de 100 horas, Eloá foi assassinada pelo ex, após uma ação mal efetuada pela polícia. O feminicídio foi televisionado, entretanto, jamais foi falado do caráter misógino da ação do ex. 

Chamar um feminicídio de crime passional é ignorar os aspectos culturais que induzem homens acharem que mulheres são propriedade deles e assumir que paixão/amor são capazes de fazer pessoas agirem com tamanha violência. Sendo que não é o amor, paixão ou desejo que motivam essa violência e sim as relações de poder e a naturalização de relacionamentos abusivos como românticos. 

É importante desmistificar que só é misoginia e machismo quando chega a ocorrer tais crimes. Afinal, por trás dessa violência, há o descaso e despreparo da polícia para atender as vítimas de violência doméstica e de estupro, o que dificulta que as denúncias sejam feitas e que quando feitas, surtam efeitos. E há também toda uma cultura que reafirma que os corpos das mulheres são disponíveis, de culpabilização da vítima e que coloca o ciúme e o controle da vida do parceiro como românticos, o que naturaliza os relacionamentos abusivos.

Elliot Rodger já tinha demostrado antes seu ódio por mulheres. Por exemplo, ele jogou café em duas mulheres numa lanchonete, porque elas não sorriram de volta para ele. No diário citado acima, ele afirma que queria que o café estivesse mais quente, para queimá-las. Se vocês tiverem estômago, leiam esse texto aqui, que expõe várias barbaridades que ele escrevia.

Homens: Mulheres não te devem nada. Isso mesmo, nem mesmo um sorriso

A importância da mídia nomear esse tipo de crime como um crime de gênero é que ao fazer isso, ela reconhece que a misoginia e o machismo existem e devem ser combatidos para evitar mais mortes. O reconhecimento de que existe sim uma cultura que coloca a mulher como inferior ao homem e de ódio contra tudo que é feminino e a influencia dessa cultura na existência de alguns crimes, faz parte do processo de conscientização de que ela tem que mudar.

Só é possível combater a misoginia, usando essa palavra toda vez que comportamentos e discursos que a reproduzem aparecer.  É necessário dizer que é misoginia, quando frases como "Aquela vadia dá para todo mundo, menos pra mim. Odeio essa vagabunda" são ditas e assim aos poucos destruir a ideia de que mulheres devem alguma coisa para os homens. Nomear o problema é um passo essencial para que ele passe a ser combatido como deve e não ter aspectos essenciais de mecanismo de desconstrução negligenciados.

Quem o machismo matou hoje? 

Vale muito a pena dar uma olhada na hasthtag "#YesAllWomen" ("#YesAllWoman")

terça-feira, 27 de maio de 2014

Não somos todxs vadixs



Mulheres são constantemente xingadas de vadias. As situações em que a palavra "vadia" é utilizada para nos ofender são várias e não só quando nós exercemos nossa sexualidade e usam essa palavra para controlar o nosso corpo e nosso comportamento. Mas é uma palavra que mulheres ouvem também quando tem suas fotos e vídeos íntimos disponibilizados na internet sem o seu consentimento, enquanto o criminoso nem mesmo é lembrado e muitas vezes é aplaudido por ter exposto essas mulheres que, para alguns, não mereceriam respeito. 

Somos chamadas de vadias quando bebemos, fumamos, respondemos cantadas, engravidamos fora do casamento, quando andamos sozinhas de noite, quando dizemos não para algum cara e até mesmo quando a gente denuncia violência de gênero na delegacia, ouvimos que a culpa foi nossa porque vestimos ou nos comportamos como vadias.

Vadia, vagabunda e puta são palavras usadas para desqualificar e ofender mulheres. Homens cis não são ofendidos com a palavra vadia. Eles não são desqualificados com essa palavra, não são vítimas de revenge porn, visto que a sociedade não chama o cara que faz sexo de vadio. Homens quando respondem grosseiramente cantada de rua não ouvem "vadio", os corpos deles não são vistos como disponíveis. Homens cis não sofrem culpabilização da vítima com gente dizendo que eles tem culpa porque se comportaram como um vadio.

É necessário observar que mesmo entre as mulheres o xingamento vadia tem pesos diferentes. Por exemplo, a mulher negra, que é vítima da soma de duas opressões, o racismo e o machismo, sofre com a hipersexualização de sua imagem, fazendo com que a palavra vadia, para muitas seja considerada impossível de se ressignificar. É só a gente pensar que ainda é comum ouvir absurdos como "Mulher negra não é para casar, apenas se divertir", coisa que a mulher branca não está sujeita. Outro exemplo, é o caso das mulheres trans e travestis, que são tratadas como um fetiche por vários e essa especifidade também deve ser lembrada. 

Apesar disso, em eventos feministas, como a Marcha das Vadias, é comum encontrar homens cis se designando vadias ou vadixs, o que é bem problemático, porque é uma apropriação de uma opressão que não os atingem. No caso do vadix, ainda há um adendo a ser feito, o uso da linguagem neutra pode ser visto como uma apropriação da causa trans, visto que essa é mais uma opressão que homens cis não sentem na pele.

Sei que muitos homens usam a frase "somos todxs vadixs" com boas intenções, querendo deixar claro que não concordam com as ofensas direcionadas às mulheres, mas assim como  "somos todos macacos" é uma frase que invisibiliza o racismo, "somos todxs vadixs" invisibiliza a misoginia. 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Brinde: desrespeito às mulheres

Texto de Thaís, com a colaboração de Kel Campos.

Não é novidade nenhuma que propagandas de cerveja são machistas e que focam suas campanhas publicitárias no público masculino, ignorando que muitas mulheres bebem e gostam de cerveja e que ninguém curte ser representado como objeto.

Indiretas feministas

A propaganda da vez é uma campanha da Heineken com a Shoestock para a final da Champions League: foi criada uma liquidação de sapatos para que as mulheres deixassem em paz os caras para verem a final, que é patrocinada pela cerveja. 

A propaganda parte de uma série de pressupostos machistas, entre eles, um que já deu as caras numa propaganda antiga dessa marca de cerveja, que é que mulheres são loucas por sapatos e homens são apaixonados por cerveja. Nessa nova propaganda, adicionaram o clichê que apenas homens acompanham e gostam de futebol pra completar o machismo da fórmula antiga.

Além disso, a peça publicitária em questão ainda coloca a mulher como uma megera que sequer permite que o marido/namorado assista a final do campeonato em paz e que precisa ser ludibriada com uma liquidação pra que seja possível que o cara assista um jogo de futebol. Simplesmente a propaganda diz que mulheres são loucas, irracionais e consumistas. 

Qualquer relacionamento que se baseia num nível de controle em que uma das partes precisa de uma desculpa qualquer para fazer algo que ela deseja é problemático e a peça simplesmente naturaliza esse controle como algo feminino. Isso numa sociedade em que é comum acontecer assassinatos cometidos por homens contra suas parceiras porque elas os desobedeceram. Relacionamentos não devem ser vistos como enlaces que eliminam a vida própria da mulher e nesse caso, a do homem também. 

E ainda, quando criam uma liquidação para as mulheres se "distraírem", coloca a mulher como alguém que vive em função de (controlar) o marido/namorado e impedir que ele se divirta ou comprar sapato, como se mulheres não tivessem outros interesses que não fossem homem e vaidade. E ainda assume que mulheres são fáceis de enganar, afinal, a peça diz que basta fazer uma liquidação pra isso.




Machismo não é só tratar mulheres como objeto ou escravas do lar, machismo também é reduzir mulheres a um grupo homogêneo controlador, consumista e idiota. Não há nada de novo e criativo nessa publicidade. Não representar a mulher objetificada, desejável, troféu que é o clichê das propagandas de cerveja não é garantia de não reproduzir machismo e essa propaganda é um exemplo disso.

Capitalismo e patriarcado andam juntos mais uma vez e a única inovação que eu vi foi que transformam o "vá pegar cerveja, mulher" em uma campanha de marketing que diz "vá comprar sapato, mulher". 

Mais uma vez, mulheres são desrespeitadas como consumidoras de um produto e são tratadas como burras pela publicidade. Mais uma vez, mulheres ao reclamarem de uma publicidade que estereotipa, ofende e reafirma machismo são julgadas de exageradas. Para muitos, nós temos que assistir a mídia nos tratando como idiotas caladas. 
Mulheres idosas bebendo cerveja.
Todos os dias, o futebol, as marcas de cerveja e agora também as de sapato, deixam claro quais são os lugares destinados às mulheres e aos homens. A Heineken, com essa peça idiota, disse para suas consumidoras para elas irem apreciar vitrines, ao invés de apreciar a cerveja deles. Tiro no pé em nome do machismo.

E enquanto várias mulheres se manifestam no twitter contra a propaganda de cerveja, o twitter da Heineken Brasil responde as críticas com deboche. 



Links relacionados:

"Machismo no futebol: Pode isso, Arnaldo?" - Ativismo de Sofá

"Isso não é dote. "Isso" sou eu" - Ativismo de Sofá

"Estética e futilidade: uma associação fundamentalmente misógina medieval" - Ativismo de sofá 

"Cultura do estupro II - Nova Schin violenta mulheres sem intenção" - Ativismo de Sofá

"A mais nova propaganda machista da última semana"  - Ativismo de Sofá

"A representação da mulher na mídia e em produtos" - Nádia Lapa

"Bebo sim e continuo dona do meu corpo" - Blogueiras Feministas

"Sobre cervejas, detergentes e desodorantes" - Blogueiras Feministas

Evento: Tá na hora de dispensar o machismo!

"Heineken dá bola fora e as mulheres entram em campo"

"Heineken: hora de subir no salto alto"

"Um toque para as marcas" - Lugar de mulher

"Heineken. Sexism. Brazil."

"Respeite a mulher cervejeira" 

Observação: a peça publicitária é também heteronormativa, apesar do texto não ter focado nisso. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Machismo no futebol: Pode isso, Arnaldo?

"Nossa, você é ruim em matemática". "Nossa, garotas são ruins em matemática."

A manchete "Bandeira musa erra feio e irrita jogadores e dirigentes do Cruzeiro" é apenas a ponta do iceberg do machismo que envolve o caso. O jornalismo esportivo é conhecido por ser um antro de machismo, em toda oportunidade que se preze, são eleitas musas no meio. Ele é feito como se apenas homens héteros acompanhassem esportes e mulheres são vistas apenas como atrativos de cliques, sejam atletas, sejam apresentadoras, sejam comentaristas ou árbitras. 

O comentário do diretor de futebol Alexandre Mattos sugerindo que a bandeira Fernanda Colombo abandonasse sua profissão e já que é "bonitinha" posasse para Playboy é uma amostra dessa objetificação. É mais uma vez o machismo dizendo que o lugar de mulher é enfeitando. E se a bandeira estivesse fora do padrão de beleza e fosse considerada feia? Ela continuaria sendo desqualificada pelo erro e também por ser feia e não ser capaz de exercer o papel primordial da mulher, que é enfeitar, ser musa.




Fernanda Colombo cometeu um erro e seu erro foi considerado um argumento para desqualificar todas as mulheres. O erro da bandeira virou "argumento" contra bandeiras serem mulheres. Foi ela errar, que choveram comentários que afirmam que lugar de mulher não é no futebol. E eu pergunto, quando homens erram ao arbitrar um jogo falam que nenhum homem sabe arbitrar? Falam que futebol e homem não combinam? Falam que homem não entende nada de futebol? Porque é essa a repercussão machista e sem noção do caso: ela errou e o erro dela passou a servir de argumento pra afirmar que todas as mulheres não servem para serem bandeiras. 

A desqualificação de todas as mulheres por causa do erro de uma mulher não é exclusividade do futebol. Isso acontece em todos os meios considerados espaços masculinos: uma mulher desrespeita a sinalização de trânsito e causa um acidente e o que é falado é "só podia ser mulher mesmo", "mulher é barbeira demais" e até absurdos como "mulher tinha que ser proibida de dirigir". E se esse mesmo acidente for causado por um homem? Nesse caso, apenas o homem causador do acidente será considerado ruim motorista e às vezes o machismo é tão grande, que se esse acidente ocasionado por imprudência do motorista homem envolver uma motorista mulher que estava fazendo tudo certinho na hora, a frase "só podia ser mulher" será ouvida. Além do trânsito, a matemática e as ciências, no geral, são consideradas áreas masculinas e por isso, durante o ensino fundamental e médio, muitas meninas ouvem que mulheres não servem para essas áreas. Uma garota da sala tem dificuldade em matemática e a dificuldade dela, para o machismo, se torna "mulheres tem dificuldade em matemática" e fica por isso mesmo. Enquanto isso, um garoto que não se destaca em matemática jamais ouvirá "é assim mesmo, fulano, homens são péssimos em matemática", pelo contrário, vai ouvir estímulos para continuar os estudos e obter melhores resultados.

O futebol é visto como um assunto masculino e a desqualificação de Fernanda parte do pressuposto de que há lugares para mulheres e lugares para homens e que ela invadiu um lugar masculino e por isso ela merece ser rechaçada por falhar uma vez durante uma partida. Seu erro, para o machismo, é uma prova de que ela não deveria ter saído do seu lugar de mulher. 

Jornalismo Punheteiro - tumblr que critica a objetificação de mulheres no meio esportivo.

"Não quero ser musa" - texto do Ativismo de Sofá.