sexta-feira, 29 de março de 2013

"Não vale o quanto pesa" e a indignação sem profundidade.





A páscoa está chegando e faz um tempinho que eu tenho visto uma movimentação nas redes sociais a respeito dos preços abusivos dos ovos de chocolate no Brasil. Meu face tem mostrado a ampla divulgação de cartazes de "não vale o quanto pesa", ou ainda "compre carne, não ovo". Confesso que o tema gerou em mim uma certa inquietação, que se traduz em forma de questionamentos. São perguntas para as quais eu não tenho necessariamente respostas, mas ainda assim eu creio ser importante colocá-las para discussão. 


Acho que a minha primeira reação ao ver tais posts foi de surpresa, com uma boa dose de frustração por perceber que, hoje em dia, o preço das coisas gera muito mais indignação do que questões sérias envolvendo direitos humanos. Parece, e isso é um desabafo mesmo, que as pessoas de uma forma geral só se preocupam com aquilo que mexe diretamente com o bolso delas. 


Mas, uma pergunta que sempre me vem à mente quando vejo tais posts é: essa pessoa tem noção de que preço é diferente de valor? Eu sei que parece uma pergunta besta - e básica - mas eu acredito mesmo que ela se faz pertinente, pois repassa-se o post à exaustão, como se realmente o valor de um ovo de páscoa estivesse puramente restringido ao seu peso. 


Ora, Flávia, mas você não acha que o valor agregado ao ovo de páscoa está exorbitante, abusivo? A resposta imediata é: sim, o preço realmente está muito além do que seria aceitável. Assim como o preço de praticamente tudo no Brasil. Porém...eu não vejo como posts como esse, que procuram uma solução para o problema mais aparente, ou seja, o preço final do produto, possam ser transformadores. Não consigo entender como esse tipo de campanha pode exercer alguma influência no sistema, alguma pressão para que o sistema mude, sabe? 


Daí que o questionamento acima me leva a outra questão: como o capitalismo convenientemente nos deixa à parte de todo o processo de produção. Chegamos num ponto em que a única coisa que verdadeiramente importa é o suor que gastamos para... comprar produtos. Parece que, ao demandar por preços mais baixos, as pessoas fazem pouca questão de entender que a redução do preço não vai implicar necessariamente em redução de lucros por parte das empresas e corporações. 



Acho que é aí que reside o aperto no meu peito, quando vejo tais mobilizações online. Para além do óbvio "classe média sofre", eu chego à conclusão que, hoje em dia, preocupa-se muito pouco com uma compreensão mais profunda do mundo que nos rodeia. E, pelo menos pra mim, isso é perigoso. Porque nessa equação, fica de fora a mão-de-obra barata, o trabalho escravo, o sofrimento - de humanos e animais - para que possamos exercer nosso poder de barganha em paz. 

Porque é essa a idéia que a preocupação exclusiva com preços faz. Vejo pessoas gabando-se de ter comprado 6 caixas de bombons ao invés do maldito ovo de páscoa caro. Burlaram o sistema? Não sei. Não vejo como o fato de comprar bombons ao invés de ovos possa ser visto como "consumo consciente". Seria consumo consciente de quê? De que não vale o quanto pesa? Mas será que é SÓ isso que importa? 



Hoje em dia está cada vez mais difícil ver indignação com algo que vá além dos nossos bolsos. Não nos vemos mais como parte do problema. E se o problema aparentemente não está em nós, então não há muito o que fazer, certo? Afinal de contas, por que eu deveria me preocupar com o trabalho escravo da Zara, se o que eu quero mesmo é um look daora? Pra que me preocupar com o ciclo de exploração do trabalho infantil envolvido na produção de chocolate, se o que importa mesmo é eu contar prxs amigxs que eu fui zuper esperta e comprei 6 caixas de bombom ao invés do ovo? Pra que estressar com o fato de que o diamante que eu ganhei do bofe é fruto de trabalho escravo no continente africano? Pra que me preocupar com os componentes do meu computador, que foram montados na China, se lá a super-exploração da mão-de-obra barata se justifica pelo enorme contingente populacional do país? 

Acho que já deu pra expressar bem a minha inquietação. O capitalismo se mantém e se reforça ao fazer com que os produtos cheguem a nós como se fosse um passe de mágica, como se nenhum processo complicado, com N fatores que incluem a opressão de muita gente, incluindo nós mesmxs, estivesse envolvido. A forçação de barra chegou a tal ponto que, hoje em dia, é sinal de inteligência o fato de alguém conseguir fazer com que algo - a maquiagem, o visual, a decoração da casa - pareça "natural" sem realmente sê-lo. Pra mim, isso diz muito. A mensagem, clara e sem rodeios, de que você precisa passar uma idéia de despretensão, de que não fez muito esforço para conseguir tal e tal efeito, é resultado direto dessa ideologia em que estamos mergulhadxs - a de que o processo precisa, a todo custo, ser escondido. E a pergunta fica: quem está, realmente, ganhando com isso? 

Deixo aqui duas sugestões de vídeo: A história das coisas e esse aqui da Folha, rapidinho, sobre escravos da moda.  

quarta-feira, 27 de março de 2013

Afinal, quem o Marco Feliciano representa?

Foto do Fora do Eixo no ato do oito de março de Belo Horizonte. 
Marco Feliciano: deputado federal, atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Sua presença e presidência tem sido contestada por diversos movimentos sociais e pessoas comprometidas com os Direitos Humanos mesmo antes da sua eleição. 

Marco Feliciano é indesejado na CDHM por causa de suas diversas declarações preconceituosas contra negros, mulheres e homossexuais. Seus projetos de leis envolvem interromper a aplicação das decisões do STF que tratam de permitir a união estável entre pessoas do mesmo sexo e considerar essa união uma entidade familiar e a permissão de antecipação terapêutica do parto nos casos de feto anencéfalo. E ainda, instituir o programa "Papai do céu na escola" e estabelecer que as cédulas do real devem continuar a ter a inscrição "Deus seja louvado", entre outros.

Há alguns memes e tirinhas espalhados na internet que colocam o pensamento do Feliciano como algo primitivo. Mas infelizmente, tal pensamento é atual. Basta observar o poder da bancada evangélica no Congresso Nacional. Basta ver como Jean Willys, deputado gay que se posiciona contra Feliciano e cia, está sendo caluniado.

O pastor é deputado pelo Partido Social Cristão (PSC) e ambos dizem pautar nos ideais do Cristianismo para governar. E ontem o PSC optou por não indicar outro nome no lugar do Pastor para assumir a presidência da CDHM, ignorando completamente as diversas manifestações que houve por várias cidades do Brasil, a petição online que detém mais de 500 mil assinaturas e também o conteúdo das declarações do deputado. E nesse momento, trago uma reflexão, essa negligência que tratam as declarações homofóbicas, racistas e machistas feitas pelo Feliciano são sintomáticas de como o Estado não se importa em deter tais discriminações, mesmo com diversas previsões constitucionais e legais que as vedam. 

Feliciano representa quem usa a religião como desculpa para proferir discursos de ódio de impedir que outras pessoas tenham os mesmos direitos e respeitos que outras. Representa, também, o PSC e toda a bancada evangélica que acham que a presidência dele na CDHM é estratégica para não deixar direitos LGBT e direitos das mulheres passarem. Representa quem usa os Direitos Humanos das minorias como moeda de troca. Ele representa também quem diz que homossexuais querem privilégios, quem fala em ditadura gayzista e quem ao ver mulheres trabalhando, optando por serem mães quando quiserem e se quiserem e vivendo sua sexualidade as vêem como vilãs e vadias. E representa também quem defende liberdade religiosa só para quem é de sua religião.

Sinto muito dizer isso, mas Feliciano não é alguém que veio da Idade Média cheio de pensamentos conservadores. Ele e sua corja são atuais. E a nossa luta não deve se pautar apenas em retirá-lo da CDHM, até porque outra pessoa do PSC irá assumir o cargo. 

A nossa luta deve ser pelo Estado laico e por isso ir contra o uso de fundamentação religiosa na hora de fundar partidos e governar. E lutar por isso não é violar o princípio da liberdade religiosa, é simplesmente utilizá-lo dentro dos ditames da laicidade. A luta deve ser também contra esse ideal de família tradicional que tanto exclui e marginaliza. 
Acervo pessoal - foto tirada no ato do oito de março de 2013 em BH. 


Se eles se uniram para restringir os direitos que adquirimos e impedir que tenhamos os direitos que queremos, nós nos unimos contra eles. Eles não passarão. Mesmo que tenham um nome diferente de Feliciano. Nós somos contra tudo que eles representam: o preconceito, a negligência, o conservadorismo e o desrespeito aos cidadãos.

Leia também:
Por que as titias feministas implicam tanto com Feliciano e por que você também deveria implicar. - Subvertidas
Ainda em tempo de Franciscos e Felicianos - Subvertidas
Estado laico para garantir os direitos humanos - Blogueiras Feministas 
Retrospectiva da jornada de lutas pelos Direitos Humanos no Congresso Nacional - Blogueiras Feministas 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Brasil: uma democracia racial?



O mito da democracia racial afirma que não há racismo no Brasil e que o que é chamado de racismo hoje é apenas um problema oriundo da situação financeira da maioria dos negrxs. O mito sustenta a ideia absurda de que as políticas afirmativas em prol dos negrxs, como as cotas universitárias raciais, é inconstitucional por ferir o princípio da isonomia.

O trote racista e sexista que ocorreu na faculdade de Direito da UFMG foi assunto de destaque nessa semana e no meio de vários argumentos dos defensores de que tudo não passou de uma piada, várias pessoas diziam que não concordavam com o teor racista do trote, porém achavam que o fato do assunto ter tomado conta da internet era apenas um exagero. O argumento da piada é facilmente destrinchado pelo vídeo "O riso dos outros" e pelo texto da Paula Mariá "É só uma piada". Mas e esse suposto exagero? Por que sempre quando se fala em racismo, as pessoas evocam lutas que eles consideram mais urgentes e que nada tem a ver com o racismo?

O racismo é visto como um exagero e às vezes até como um devaneio. O defensores da ridícula idéia de que vivemos numa democracia racial afirmam que não há racismo nem no caso do trote da UFMG, nem nas ridículas declarações do atual, e indesejado pelos movimentos sociais, presidente da Comissão de Direitos Humanos e minorias da Câmara Federal, Marco Feliciano. Afirmar que não existe racismo é uma das formas mais eficazes de manter negrxs numa situação de marginalização.

Ignorar as especifidades de grupos vulneráveis na formulação de leis e políticas públicas é ignorar que o racismo, no caso, é um discurso de reprodução de poder, uma forma de tentar justificar e dar continuidade a dominação de um grupo sobre o outro. E que essa relação de poder tem origem na história e na cultura e não desaparece se forem negligenciadas. Afinal, dizer "todos somos iguais" não impediu que os preconceitos e a marginalização dos grupos historicamente oprimidos continuem existindo.

Quem evoca o princípio da isonomia para criticar qualquer política pública contra negrxs comete um erro terrível. Isto é ignorar que a igualdade não se resume ao "todos somos iguais", afinal, em casos onde um grupo social detém vantagens sobre outro grupo, a igualdade se aplica de acordo com a máxima "desigualar os desiguais para que enfim se atinja a igualdade de fato".


Um dos argumentos utilizados para dizer que racismo não existe e deslegitimar qualquer política pública a favor dos negrxs é que a ciência provou que não existe raça. Mas a questão não é essa, a origem do racismo é sociológica e cultural. Não dá pra dizer que não existe racismo porque não existe raça, sendo que quando nos pautamos em critérios políticos e sociais é insustentável ignorar que negrxs ganham menos que brancos fazendo a mesma função, que existe uma divisão negro-branco no trabalho e etc.

"Ah, mas o Brasil é um país miscigenado, não tem isso de racismo não, todo mundo tem sangue de negro, índio e branco no corpo" também não é argumento para negar a existência de racismo, porque quem é visto como negro sofre discriminação. E nesses casos, sempre é válido citar a famosa frase: "Não dá pra saber quem é negro e quem é branco, mas o segurança continue sabendo quem barrar e a polícia continua sabendo em quem bater".

O suposto exagero que algumas pessoas dizem que há nos apontamentos do que é racismo e nas reações ao que é visto como racista está naquela ideia de que racismo é só quando uma pessoa é assassinada por ser negra, quando um cartaz de oferta de emprego diz que querem pessoas brancas para aquela vaga e etc. O racismo no discurso é ignorado, apesar de ser potencialmente letal. Não vêem que piadinhas que chamam quem é negro de macaco são mais uma forma de desumanizar os negrxs. E que a desumanização dos negrxs é uma constante necessária para a manutenção do racismo, que acaba por naturalizar uma série de violências, como o genocídio da juventude negra.

E por fim, não esqueça de ler a Nota de repúdio ao trote racista e sexista da faculdade de Direito da UFMG que foi assinada por diversos coletivos, blogs e pessoas, incluindo o Ativismo de Sofá e que foi reproduzida aqui no blog.

ESSE POST FAZ PARTE DA BLOGAGEM COLETIVA PELO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL, UMA INICIATIVA BLOGUEIRAS NEGRAS.



terça-feira, 19 de março de 2013

Nota de repúdio ao trote racista e sexista da faculdade de Direito da UFMG



O Ativismo de Sofá, junto com vários outros blogs, pessoas e coletivos, assina essa nota de repúdio reproduzida abaixo:

A Humanidade, se fosse uma pessoa, envergonhar-se-ia de muita coisa de seu passado; passado este que contém muitos episódios verdadeiramente abjetos. Enquanto humanos, faríamos minucioso inventário moral de nós mesmos; enquanto partícipes do que convencionamos chamar 'Humanidade', relacionaríamos todos os grupos ou pessoas que por nossas ações e omissões prejudicamos e nos disporíamos a reparar os danos a eles causados.

Vigiaríamos a nós mesmos, o tempo todo, para que individualmente e enquanto grupo,  não repetíssemos nossos vergonhosos e documentados erros. Pais conscienciosos, ensinaríamos as novas gerações os novos e relevantes valores morais que tem de pautar nossas condutas, palavras e intenções.

Dois desses episódios, chagas profundas e fétidas de nosso passado humano, são a escravidão e o nazismo. No primeiro, tratamos outros seres humanos como inferiores; os açoitamos; os forçamos ao trabalho; os ridicularizamos (dizendo que eles eram feios, sujos, burros, seres humanos mal acabados e não evoluídos);  procuramos destruir seus laços com a terra amada, sua cultura, sua língua; dissemos que eles não tinham alma enfim. No segundo não era diferente; mesmas ações, alvos expandidos: pessoas negras, judeus, homossexuais. Todos tratados com o mesmo desrespeito.

O tempo passou e como as chagas permanecem, fizemos um meio-trabalho: criamos leis. Leis como a 7.176/89, que qualifica o crime de racismo e depois a Lei  9.459/97 (que inclui o parágrafo 1 no artigo 20 da já referida Lei 7.176/89, mencionando a fabricação e uso de símbolos nazistas). Infelizmente, nem mesmo a força da lei tem sido suficiente.

O  que vemos é, em toda parte, ressurgirem graves violações dos Direitos Humanos outrora perpetrados. O que seria motivo de vergonha vem ganhando o espaços públicos, por meio de recursos custeados pelo Estado; um Estado que se auto declara 'Democrático de Direito'; um Estado que tem como fundamento a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (inciso III do artigo 1 da Constituição de 1988).

Sim, foi isso mesmo o que você leu: na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alunos do curso de Direito (sim, um curso cujo objetivo é formar profissionais que serão essenciais à Justiça e à defesa desse propalado Estado Democrático de Direito) fizeram um trote onde, sob a desculpa de fazer piada usaram saudações nazistas e representações racistas e sexistas.

A notícia, amplamente divulgada na mídia, vocês podem ler aqui: http://vestibular.uol.com.br/ultimas-noticias/2013/03/18/trote-com-saudacao-nazista-provoca-acusacoes-de-racismo-na-ufmg.jhtm

Mas não é só: infelizmente nesses últimos meses, tomamos contato com episódios igualmente repulsivos ocorridos em universidades: na Politécnica (Faculdade da Universidade de São Paulo, também mantida com recursos públicos), vimos alunos divulgarem uma gincana, onde uma das 'provas' era algo cometer assédio sexual.

http://www.feministacansada.com/post/44492821098

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,gincana-da-poli-incentiva--machismo-e-revolta-estudantes-,1004392,0.htm

E isso logo após alunos de uma outra Universidade (também da USP, na cidade de São Carlos) , agredirem manifestantes que criticavam um trote que vilipendiava a imagem feminina.

http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/3104-grupo-protesta-contra-trote-machista-e-e-agredido-na-usp-sao-carlos

Todas essas condutas, perpetradas por alunos que deveriam estar recebendo instruções aptas a torná-los profissionais e cidadãos mais éticos (afinal, é para isso que todos os cursos contém em suas grades a matéria denominada 'Ética'), mostram que beiramos a um perigoso retrocesso no quesito 'Direitos Humanos'.

Sendo os Direitos Humanos imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis e universais, efetivos e interdependentes, não pode haver NENHUMA tolerância a qualquer ato ou gesto que os ameaçem.

E é por isso e também por tais atos (perpetrados nas três universidades citadas) constituirem verdadeiro incentivo à propagação de discursos preconceituosos e de ódio, é que os coletivos assinam a presente nota de repúdio, esperando que autoridades constituídas tomem as providências cabíveis para apenar exemplarmente os responsáveis. Leis para isso já existem; mas para que os direitos ganhem efetividade é preciso sua aplicação.

Esperamos também que as pessoas que lerem a presente também façam um reflexão sobre o rumo que nossa Sociedade está tomando. Não queremos o retrocesso. E se você compartilha conosco desse sentimento, dessa vontade de colaborar com a construção de uma Sociedade melhor, não se cale.

Nós somos negros; nós somos mulheres;  nós somos gays; nós somos lésbicas; nós somos transsexuais; somos nordestinos; adeptos de religiões minoritárias. Somos as minorias que diuturnamente temos de conviver com o menoscabo de nossas imagens; com atos que naturalizam a violência;  que criam verdadeira cisão entre Humanos; que reabrem as chagas e as fazem sangrar. E nós não vamos nos calar. O estandarte, escudo e espada emprestaremos da Themis, a deusa da justiça; usaremos a lei e  exigiremos o seu cumprimento.

Aos estudantes de Direito que fizeram uma tal 'brincadeira'repulsiva, lembramos:

'Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus'  -
Onde não existe justiça não pode haver direito

Assinam o presente,

quarta-feira, 13 de março de 2013

A voz das mulheres nas ruas

Acervo pessoal - foto tirada no Ato.

Sexta-feira, eu participei do ato do oito de março de Belo Horizonte. Não foi a primeira vez que fui às ruas pela luta feminista. Antes dessa sexta, eu já tinha participado de duas Marchas das Vadias, mas posso dizer que foi a primeira vez que estive numa manifestação tão plural. 

Cheguei atrasada, confesso que estava bem perdida sobre onde ir, o que gritar, o que fazer, mas logo me situei. Depois de passar rapidamente no bloco da luta contra a violência doméstica, fomos todxs para a frente do Palácio da Justiça. E lá esperamos os outros blocos chegarem cantando, batucando, dançando. Além do bloco que participei, havia o bloco da diversidade da mulher levantando a bandeira da luta contra a lesbofobia e transfobia, o bloco contra a mercantilização do corpo feminino, o contra a violência do Estado, o contra a violência do campo e o bloco das negras e nordestinas.
Acervo pessoal - foto tirada no ato. 

Ouvi mulheres quilombolas, sindicalistas, idosas, estudantes, do movimento sem terra e de vários coletivos falarem de seus problemas principais e me emocionei junto e inclusive vi quem chorasse ao sentir a coragem e a emoção na voz daquelas mulheres. Gritamos por diversas vítimas de violência, entre elas Eliza Samúdio. 

Andamos juntas pela Afonso Pena. Ouvíamos gritos e cantos diferentes em diversos pontos da marcha, havia batuque, havia alegria, havia o sonho de um mundo melhor, havia a vontade de lutar em todos aqueles cantos, que apesar de terem letras tão diferentes e serem tantos, acabavam por ficar uma voz uníssona de esperança. 

Deitei emocionada no chão da Afonso Pena para a minha amiga Carol me desenhar de giz. O objetivo do desenho era que na rua ficasse um lembrete para a sociedade das tantas mulheres que são violentadas diariamente. E o ato teve fim ali.

Acervo pessoal - foto tirada no ato.
Eu e outras mulheres saímos juntas para comer, beber e celebrar a sororidade. Estávamos todas anestesiadas de tanta emoção, cansadas de tanto andar, mas queríamos curtir aquela sensação de dever cumprido e cumplicidade. E meu oito de março acabou sendo o que deveria ser: um dia de luta, amor e esperança.

Participar de uma manifestação, apesar de ser cansativo, dar vergonha aos mais tímidos e etc, é mágico porque ali nós nos sentimos fortes o suficiente para lutar o quanto precisar. Ali me senti renovada, senti que vale a pena e acho que é essa a magia de ir às ruas gritar ao mundo "ME RESPEITE", essa é a magia da sororidade, de estender a mão para todas as mulheres.

No outro dia, ao andar pelas ruas de um bairro belo horizontino, ouvi uma mulher dizendo que nenhum marido trata a esposa bem e que o cara que estava sendo citado por outra mulher na conversa só podia ser uma exceção. E me relembrei que a luta é todo dia até que todas nós sejamos bem tratadas por todos.

Outras fotos do ato: Aqui e aqui.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Oito de março é dia de luta.

Texto de Thaís e Flávia. 

Não é novidade para ninguém que o oito de março, uma data que deveria reforçar a necessidade da nossa luta para sermos vistas e respeitadas como ser humano, é visto pela mídia e pela sociedade como mais um dia para reafirmar ideais de feminilidade.

Campanha da Prefeitura de PoA.
A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, em sua página no Facebook, postou uma série de afirmações que iniciavam com um "só uma mulher sabe". E as frases utilizadas para complementar a chamada são exemplos do estereótipo do que é "ser mulher". A nossa existência não pode ser resumida, em nenhum dia do ano, a apenas chegar em casa e enfim poder tirar o salto alto ou em ficar triste porque estragou o esmalte recém passado.
  
A problemática desse tipo de manifestação que resume as mulheres a enfeites, seres frágeis ou quase mágicos por aguentar tripla jornada e poder ter filhos não está só no fato de que o oito de março é um dia de luta, mas também se encontra na reafirmação do que é "ser mulher".

O dia oito de março é cheio de homenagens que nos colocam num pedestal. A mulher ideal para a sociedade patriarcal é aquela que se sacrifica diariamente e é vista como forte por isso, aquela que aguenta calada xingamentos, ofensas em forma de piada e a restrição de seus direitos. E é por isso que é tão comum vermos comentários como "parabéns mulheres por aguentarem tudo". Sacríficio é algo considerado bonito, principalmente para quem é mulher. Porque quem é mulher parece ter que ser punida diariamente por isso, com salários menores, com tripla jornada e etc.

Banner da programação da semana da mulher.
Quando a mídia e a sociedade nos parabeniza por ser mulher, foca todas as ações do oito de março em distribuir flores e chocolates, fazer promoções de itens de consumo voltados para a vaidade feminina, ela não só reforça os papéis de gênero, como também negligencia como a violência contra a mulher continua sendo um problema sério. É fácil distribuir cartõezinhos e se esquivar de discutir em profundidade a guerra contra as mulheres em que se encontra o mundo. Porque ao discutir com profundidade nota-se que o problema é a cultura de ódio em que vivemos. Uma cultura misógina, machista, homofóbica, transfóbica, lesbofóbica e racista. 

Os feminicídios ainda são chamados de "crimes passionais", as "cantadas" que ouvimos na rua desde cedo são chamadas de elogios, a objetificação das mulheres ainda é rotineira. Os salários das mulheres continuam sendo cerca de 30% mais baixos que o dos homens, sendo que a mulher negra ganha ainda menos que uma mulher branca. 
  
Campanha resposta.
Oito de março é um dia de luta contra esse ideal de feminilidade tão excludente e opressor. É o dia de falarmos que não precisamos "aguentar caladas", de jogar fora essa idéia de que é legal se sacrificar, de incentivar a solidariedade feminina e nos empoderar. Nos empoderar para lutarmos não só nesse dia, mas diariamente.

Oito de março é um dia para lembrarmos que a nossa luta é diária, que a cada passo que damos para melhorar a vida das mulheres, a sociedade se encarrega de "nos colocar em nosso lugar", em um backlash que coloca à prova a nossa força. Às vezes o desânimo toma conta de nós, pois parece que nada muda. É por isso que datas como o oito de março são tão importantes. Porque é através das "homenagens" que recebemos, que fazem questão de celebrar um sistema castrador e opressivo, que encontramos força para protestar. Oito de março é dia de dizer: o sistema tem que mudar.