sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Parem de culpar a vítima!

Estupro é causado por misoginia, estupradores, tolerância institucional e violência estrutural.
E NÃO pelas roupas, por estar no lugar "errado", bebendo ou não "tomando cuidado suficiente".

Integrantes da banda de pagode New Hit são os acusados de estuprar duas adolescentes fãs da banda após um show na cidade de Ruy Barbosa na Bahia. O exame de corpo de delito foi feito e através dele foi constatada a existência de hematomas internos vaginais em ambas as vítimas, o que é um indício grave de que sim, elas foram vítimas de estupro.

Os detalhes do caso são terríveis: as duas jovens foram estupradas por dez homens e a sociedade, em geral, se comporta de forma machista e misógina culpando, as vítimas pelo acontecido e também ameaçando suas famílias por terem denunciado o caso. Os apoiadores dos acusados alegam que a mera ida ao show já é considerado um indício que elas estavam "pedindo"; afinal, para essas pessoas, mulheres que saem de casa à noite não são dignas de respeito. Outros dizem que elas entraram no ônibus porque quiseram e isso seria mais um indício que elas estavam "provocando, pedindo, buscando" o que veio acontecer.

Há quem diga que elas forjaram o estupro, mas como então elas forjaram os hematomas que constaram no exame de corpo de delito? Há quem diga que elas são "umas vadias", deram muito e agora denunciaram o estupro porque a banda teria dinheiro. Para essas pessoas, eu informo: quando uma pessoa é condenada por estupro, ela não fica obrigada a pagar "muito dinheiro" pra vítima; por mais que vocês achem que estupro é um "problema menor" ou até mesmo uma forma de ganhar direito em cima dos outros; saiba que se ele está previsto na lei penal, quer dizer que essa conduta criminosa é relevante para o Direito e que essas pessoas devem ser punidas, pelo bem da coletividade. Há quem diga que eles não precisam estuprar ninguém, afinal, eles poderiam ficar com quem quiserem naquele show. Para essas pessoas, eu digo, estupro não é sexo. 
Marcha das Vadias de BH - 2011 - Acervo Pessoal

Mais uma vez a sociedade nos mostra sua cara misógina e machista e a gente destaca, novamente, que a culpa de um estupro é do estuprador, jamais da vítima. Não se evita estupros não permitindo que mulheres saiam de casa; não se evita estupros cobrindo o corpo das mulheres com determinadas vestimentas; não se evita estupros culpando as vítimas pela violência sexual sofrida.

É necessário deixar claro mais uma vez que se uma mulher estiver nua e desmaiada de bêbada numa cama, NINGUÉM TEM PERMISSÃO de tocá-la; afinal, ela não tem possibilidade de consentir com o ato. Se uma mulher beija um homem, ele não tem direito de tocá-la onde ela não permitir, ele não tem direito de supor que um beijo é consentimento para qualquer ato sexual que seja. Há diversos exemplos a serem dados mas, neste caso, é bom deixar claro que uma mulher de noite num show não "tá pedindo", uma mulher que entra num carro, na casa, ou num ônibus de um cara não "tá pedindo". Não existe "estar pedindo" por um estupro, porque o que determina se um estupro aconteceu é a ausência de consentimento. Se não há consentimento é estupro. Simples, né?

Roupa, comportamento sexual, a hora e o lugar onde a vítima do estupro se encontrava não a faz menos vítima. Dizer que essas garotas são vadias e mereceram é endossar ainda mais a cultura do estupro, é contribuir para que vários criminosos continuem impunes. Organizar uma marcha em defesa dos acusados não é possibilitar o acesso ao contraditório e ampla defesa numa ação penal, é simplesmente ignorar que essas pessoas podem ter cometido crimes, é banalizar todas as formas de violência contra mulher. Duvidar, dessa forma, de uma acusação de estupro, é dizer que o corpo das mulheres é disponível, pode ser violado se ela não se comportar conforme parcela da sociedade diz que é certo. A marcha que está sendo organizada pelos fãs da banda zomba da Marcha das Vadias, zomba das diversas vítimas de crimes que violam a dignidade sexual das pessoas, zomba também da própria ideia de um mundo menos violento e menos machista.

O caso deixa claro como denunciar um estupro não é uma decisão fácil e como a vítima daquela violência e todos que estão próximos sofrem com os julgamentos machistas que são destinados pra quem tem coragem de não se calar.

Ato em apoio às vítimas, aqui

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A invisibilidade lésbica e a invisibilidade da violência

A redatora do sexista e heteronormativo comercial da Marisa declarou (e depois pediu que desconsiderássemos) que ele se dirige às mulheres heterossexuais porque estas são maioria.

Além de ser uma peça terrivelmente preconceituosa em diversos aspectos, reflete um comportamento muito comum e naturalizado: agir como se mulheres não-heterossexuais não existissem. Isto ocorre em todas as esferas, inclusive em meios e mídias “gays” ou alternativos: o gay socialmente visível é o homem homossexual (e branco, jovem e de classe média).

A sexualidade das mulheres que não são heterossexuais é constantemente diminuída (mais ainda que a das mulheres heterossexuais): enquanto o homem gay “não tem salvação”, a mulher lésbica ou bissexual “ainda não encontrou um homem de verdade”, “tá tentando chamar atenção” ou “está só experimentando”. Ou, claro, “queria ser um homem”.
A nossa tão (machistamente) falada ausência de desejo sexual torna o sexo lésbico sem sentido: por que outro motivo uma mulher faria sexo, se não para agradar um homem? Como pode ser prazeroso o sexo entre duas mulheres se “falta alguma coisa”? Só podemos nos interessar por outras mulheres se tivermos tido algum “trauma com homens”, é o que nos dizem; por nenhum outro motivo abriríamos mão do privilégio da heterossexualidade.

Podemos, é claro, fingir que abrimos mão: existe, afinal, algo mais fetichizado do que o sexo lésbico? Uma fantasia mais comum do que aquela em que o homem vê duas mulheres juntas, resolve interferir e só então a experiência fica completa? A ideia de que duas mulheres juntas são um óbvio convite a um ménage à trois é, além de desrespeitosa, cansativa. E é a “menor” das violências a que estamos sujeitas: numa busca rápida no Google, encontramos inúmeros casos de lésbicas, muitas vezes casais, agredidas na rua ou dentro de casa, por desconhecidos ou pelos próprios familiares.
8ª ação lésbica de Brasília.
Tal obsessão heteronormativa chega a extremos: não são raros os casos de estupro corretivo de mulheres lésbicas e bissexuais que pretendem, como o nome diz (porque quem denomina tal prática são seus praticantes e “apoiadores”), corrigir a orientação sexual dessas mulheres, mostrar a elas o que é certo em termos de práticas sexuais e ensiná-las a não mais errar – e até tais casos de abuso e violência são invizibilizados.

Hoje, 29/08, é o Dia da Visibilidade Lésbica. Dia de lembrar, pra que não nos esqueçamos em todos os outros, que o silêncio reforça, alimenta e estimula o preconceito. Que não devemos nos deixar calar e nos fazer invisíveis. 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Empresas: Menos ego e mais responsabilidade!

Foto por Raphael Araújo

Esse mês de agosto foi marcado pela crítica à publicidade machista em vários coletivos e blogs feministas e acabou por gerar a "Marcha nacional contra a mídia machista", que aconteceu no último sábado, dia 25 de agosto. O estopim dos protestos foi a imagem publicada na página da prudence, marca de preservativos, que fazia apologia ao estupro. Assim, como quem não quer nada, estava escrito lá: "tirar a roupa sem o consentimento dela". Amigos, entendam, sem consentimento é estupro. Seguido à isso, houve o caso da Nova Schin, que nos jogou na cara uma propaganda em que homens se tornam invisíveis e resolvem bolinar mulheres, o que para nossa legislação, configura estupro. 40 segundos de puro horror.

Por que estou novamente falando no assunto? Porque na segunda-feira passada, a DKT que é detentora dos preservativos Prudence, Sutra e Prudence l'amour lançou uma página no Facebook com a intenção de minimizar os danos que a propaganda equivocada causou na sua imagem. 

Vamos ser pragmáticos, não podemos esperar das empresas que elas sejam caridosas e altruístas, o que podemos esperar e exigir é responsabilidade, como forma de agregar valor à marca. Capitalismo é isso aí, onde há lucro o altruísmo praticamente inexiste. Mas isso não tira o valor das iniciativas das empresas para a construção de um mundo melhor. Então, essa é mais uma conquista que conseguimos através do ativismo nas redes sociais, pressionamos uma empresa a mudar sua postura e se responsabilizar pelo seu erro. O resultado está aqui

Achei que a proposta da DKT foi tímida, no sentido de sua efetividade, pois levar propostas à secretaria de políticas públicas para as mulheres não é algo difícil de realizar e já vem sendo feito. Mas o espaço que a DKT criou está aberto à sugestões e quem tiver uma idéia de como ampliar a ação em prol do fim da violência contra a mulher pode se manifestar. Entretanto, ao mesmo tempo que é tímida quanto à efetividade é ousada em atrelar a marca à um tema difícil, doloroso, invisibilizado. Acho que a DKT e a prudence ganham pontos com o público feminino, que também é consumidor, que usa camisinha, que faz sexo.


Foto por ADphotos
Gostaria que tudo isso servisse de exemplo para empresas como a Nova Schin, que tripudiam em cima das consumidoras, ao não admitir seus erros conosco, ao nos bloquear quando deveria nos ouvir. Vale lembrar que a propaganda "Homens invisíveis" saiu do ar, para evitar maiores danos, claro. Mas o estrago está feito e parece irremediável. Não dá para confiar numa empresa que reage às críticas da maneira como a Nova Schin reagiu. Exigimos menos ego e mais responsabilidade.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As linhas da nossa história


Ontem foi um daqueles dias que a gente acorda com a autoestima quebradinha, sabem?  Acontece que eu percebi algumas novas marcas que estão aparecendo no meu corpo: Estrias nos seios. Tentei pensar que era só procurar tratamento e elas melhorariam, mas isso não melhorou meu dia. Tentei pensar que sou mais do que uma estria, que ela não representa meu todo, mas também não foi muito eficaz.
Até que uma linda, linda amiga me mandou este site. Um site sobre mulheres, sobre vidassobre a maternidade, sobre corpos e sobre... estrias. Ao ler as histórias e ver as fotos do site eu comecei a me sentir diferente. É engraçado, porque a gente sempre é estimulada a olhar para o outro corpo com um certo distanciamento, a vê-lo com rivalidade, os corpos são uma competição. Mas não foi assim que eu me senti, eu me senti... normal.

Claro que não é igual para todas, mas uma gestação altera sim nossos corpos. E vendo as histórias dessas mulheres, junto com as fotos de seus corpos percebi como as coisas se ligam. Uma marca não é apenas uma marca, ela mostra que temos um passado, uma história, mostra que estamos vivas.

E aí eu percebi porque buscar tratamentos ou pensar que eu sou mais que uma estria podia até parecer solucionar meu problema, mas não fazia eu me sentir melhor. Porque eu sou sim uma estria. Cerca de quatro dias após o nascimento da minha filha o meu leite desceu, os meus peitos incharam e desde estão ela costuma mamar me arranhando, segurando o peito, sabem? Adora dormir assim. E isso me deu estrias.

Quando dizemos que o padrão de beleza comercial é desumano, não é uma forma de sensibilizar, sensacionalizar o assunto. É apenas porque ele é, bem... desumano. Quando falamos em retoques, photoshop, iluminação e os mil e um truques (dos quais não entendo nem um pouco, vocês devem ter notado) utilizados estamos falando em formas de deixar a nossa pele apenas cada vez menos parecida com uma pele.
A imagem vendida do corpo por si só não representa sua totalidade. O nosso corpo é todo especial porque traz a gente dentro dele. É como se fosse uma casa na qual a gente mora a vida toda. E tanto tempo em um lugar deixa marcas. Nós não somos apenas as nossas estrias, mas sim, somos as nossas estrias. As nossas rugas, cicatrizes, manchas, olheiras... tudo isso é um pedaço da nossa história que ficou marcado em nós.
Entrar em contato com o nosso corpo é (re)conhecer nossa história. Se existe de fato uma “linguagem corporal” eu diria que é essa: A do corpo contando sobre nós. Sobre a nossa genética, nossos hábitos, nossos tombos, nossas dores, nossas noites em claro, nossas filhas arranhando os nossos seios.
Ora, se eu não quero ser hoje menos do que sou, então não quero menos de tudo o que vivi. Por que então vou querer menos marcas? Deixe que a vida siga acontecendo e que fique estampada em nós.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Cissexismo: meu relato.



Visite a página das feministas do cariri. O trabalho delas é excepcional.

Era uma cidade qualquer no interior de Goiás. Eu resolvera me aventurar e dar aulas numa faculdade por lá. Seria a minha primeira experiência como professora universitária e eu me encontrava pra lá de ansiosa.

Se me perguntarem hoje, eu não saberia responder com exatidão quais foram as turmas em que eu entrei naquele meu primeiro dia de aula. Mas eu me lembro como se fosse ontem da minha estréia em uma daquelas turmas.

Cheguei e antes de iniciar a lição, resolvi fazer a chamada. Nunca fui boa com nomes, então sempre fiz questão de fazer chamada para ir me familiarizando com xs alunxs. Obviamente, eu tinha preparado uma longa dinâmica para conhecê-lxs melhor mas, naquele início, eu achei prudente fazer uma chamadinha básica.

Chamei alguns bons nomes até chegar naquela fatídica letra F. Acho que falei um Fabiane, um Fábio, um Fabíola até chegar em... Fernando. A sala explodiu em uma uníssona gargalhada. Eu, que já estava bem nervosa (primeira vez em um curso universitário é de dar nos nervos de qualquer professorx, presumo), fiquei sem saber direito o que fazer. Não entendi nada. Não ri. Apenas observei a boa risada que xs alunxs davam e perguntei qual a piada. Não se preocupe, professora, amanhã você vai entender a piada. O Fernando deve aparecer por aqui.

Resolvi não botar pilha. Terminei de chamar os nomes e me levantei. Continuei a aula e tudo correu dentro dos conformes do meu plano de aula. Uns ajustes aqui, outros ali e eu consegui dar uma aula razoavelmente dentro da abordagem comunicativa, à revelia de se tratar de um grupo visivelmente heterogêneo e numeroso.

Fui embora e a tal da piada incompreendida não saiu da minha cabeça. Fui andando para casa atordoada, imaginando quem seria o tal do Fernando. O pior se abateu sobre mim: deve ser algum aluno muito, muito indisciplinado. Daqueles capetas que simplesmente não deixam a aula acontecer. Céus, teria eu que encarar problemas de disciplina até numa universidade?  

O fato é que o “mistério” fora desvendado no momento em que pisei na sala de aula, no dia seguinte. Olhei e de imediato identifiquei que a “piada” era alta, tinha os cabelos longos, lisos e castanhos, olhos amendoados, um lindo sorriso e roupa/maquiagem impecáveis. Caminhei em direção a ela e me apresentei. Sou a teacher Flávia, e você é a...? Eu sou a Fernanda, mas pode me chamar de Nanda. 
  
Eu sentia o olhar de ironia dxs alunxs ao redor, mas elxs não se atreveram a gargalhar. Iniciei a chamada e ao chegar no nome dela, falei simplesmente Fernanda, e dei seguimento com naturalidade. Dei a aula e já pude identificar, naquele dia, que a Nanda era uma aluna excepcional. E parece que era justamente o fato de se tratar de uma excelente aluna que fazia com que xs colegxs se calassem perto dela. Mas, seria esse silenciamento fruto de um respeito que a Fernanda, enquanto ser-humano, merecia? Pelo gargalhar do dia anterior, parecia que não.

Enfim. Não demorou muito e já éramos amigas. Eu nunca suportei a clausura da sala de professores por lá, então eu ficava era no pátio mesmo. E passava os intervalos com a Fernanda. Tivemos momentos de muita amizade e cumplicidade. Ela me contava de seus casos amorosos, alguns bem tristes, e eu lhe contava dos meus perrengues em relacionamentos falidos.  Falávamos também de música, livros e filmes. Ela despertou em mim o gosto pela Thalia e sua evidente paixão pelo espanhol me fez ter interesse pela língua e eu acabei aprendendo um pouco do idioma com ela. Discutíamos, também, acerca de amenidades diversas, tais como cuidados com cabelo e unhas.

Era tudo lindo e eu me encontrava numa bolha cor-de-rosa. Até o dia em que a bolha fora violentamente rompida por uma colega, professora de literatura portuguesa naquela instituição. Estávamos organizando uma Semana de Letras e eu pensei que talvez a Nanda pudesse cantar  uma música em espanhol. Alguma coisa da Celine Dion, pensei. Ia ficar diva demais. Foi então que eu, alegrinha, propus a idéia pra essa professora, antes mesmo de falar com a Nanda a respeito (my bad, eu empolgo às vezes). Para minha surpresa, e horror, a professora começou  praticamente a gritar comigo. Parecia que ela estava botando pra fora um rancor que já durava uns três meses (o tempo que eu estava por ali, diga-se de passagem). Ela tinha muita coisa entalada na garganta. Muita coisa preconceituosa.

De tudo que ela disse, eu só consigo me lembrar com exatidão do sentido de uma parte da bronca: “Aquele rapaz se chama Fernando, F-E-R-N-A-N-D-O, e eu acho um absurdo quem não o chama assim. Na identidade dele tá assim e eu não vou compactuar com essa pouca vergonha. Eu faço chamada todos os dias e o chamo pelo nome que ele tem, por aquilo que ele é: um homem. Sem-vergonha, com problemas mentais, o que seja: aquilo ali NÃO é mulher”.

Eu sentei no banco (estávamos no pátio porque como eu disse, eu não frequentava a sala de professores), em choque. Ela, sem ter mais o que dizer, retirou-se do local pisando alto. Era muito ódio, era muito preconceito, era muita transfobia. Olhei para os lados e, em meio a muitos alunos que iam e vinham, eu avistei a Nanda. Ela veio correndo ao meu encontro. Eu não queria falar exatamente o que ocorrera, então tentei buscar indiretamente uma resposta. Pelo que a Nanda me disse, eu era praticamente a única a chamá-la pelo nome devido. Aquilo foi devastador pra mim. Percebendo o meu estarrecimento, Nanda mudou de assunto.

Com o ocorrido na cabeça, eu tentei uma aproximação com xs demais professores da instituição. Cheguei em alguns e falei que talvez fosse o caso de termos uma reunião pra explicar que a Nanda precisava ser chamada pelo nome correto. O que eu ouvi foi desalentador: entendemos o seu ponto de vista. Porém, se o Fernando realmente estiver preocupado, ele que tente fazer outra identidade. Aliás, ele nunca reclamou disso. Seria mais um desconforto seu, não?

Baita mundo injusto. Será que tais professores não entendiam que, numa dinâmica de poder e hierarquia tal como é a sala de aula, umx alunx levantar a voz para reivindicar direitos poderia significar o fim de sua vida acadêmica? Qual alunx em sã consciência, num lugar tradicional daquele, poria em risco o seu futuro dessa forma? Qual alunx peitaria toda uma construção ideológica a fim de ser respeitadx pra, no fim, acabar perseguidx? Se existem alunxs assim, certamente não era o caso da Nanda. E eu jamais a culparei por isso.

Porque acabou também não sendo o meu caso. Eu, que na época não me declarava feminista e não tinha idéia do que seria o cissexismo , deixei pra lá. Perguntei se aquilo a incomodava, se a atingia e ela me disse incomoda, né teacher, mas isso não vai tirar de mim a condição de mulher. Falem o que quiserem, eu vou é começar o meu tratamento hormonal o mais rápido possível para ter seios lindos. Quem sabe um dia, operar. A cabeça fechada dessas pessoas não vai me impedir. 

O ano passou, eu acabei indo dar aulas numa outra cidade, perdendo assim o contato que tinha com a Nanda. Ficamos conversando online por um tempo e realmente o preconceito das pessoas não a impediu de seguir sendo uma mulher. Entretanto, aquele episódio nunca me fará esquecer 1. quão ignorante eu era; 2. que eu não devia ter deixado isso pra lá.

Sabe quando alguém te fala alguma coisa e você não tem resposta e depois de um tempo você encontra todas as respostas e se sente um lixo por não ter rebatido à altura em tempo? É exatamente assim que eu me sinto quando me lembro de cada episódio machista, sexista, misoginista, cissexista, elitista, especista e racista que eu já passei em minha vida. Entretanto, assim como a Nanda, isso tudo não vai me impedir de viver o presente e tentar fazer alguma coisa para desconstruir os preconceitos que as pessoas carregam em si. Assim como não vai me impedir de continuar, sempre, a confrontar meus próprios preconceitos.

Eu estou contando essa história principalmente por um motivo: tenho visto feministas às turras com representantes do transfeminismo por conta de uma suposta confusão que o termo cissexismo geraria nas pessoas. Amgs, acreditem: quando um grupo oprimido chega a criar um termo para problematizar o opressor, é porque a coisa chegou a níveis críticos. Digo crítico tanto com relação a difícil como com respeito à criticidade, mesmo. Essas pessoas não só têm o direito de questionar as nossas posturas, como também são as mais indicadas para tal.

Afinal, quantas Nandas há por aí nesse mundo, sem ter o direito de serem chamadas pelo nome que melhor se adequa às suas condições? Sem ter o direito de usar o banheiro público que melhor lhes convém, sem ter direito a inclusive dividirem celas com pessoas do mesmo gênero que elxs?  O que dizer do caso da Cece Macdonald? Não tá claro que tudo isso é cissexismo? Será difícil entender que o termo não veio para confundir, e sim agregar? E que, infelizmente, esse termo não precisaria existir se nós não cruzássemos os braços e encarássemos as pessoas trans como uma exceção pitoresca a regras injustas? Até quando vai isso tudo?

E não, eu não escrevi sobre isso antes porque me dói muito lembrar dessa história. E o nome Fernanda é, obviamente, uma modificação para preservar-lhe a identidade.   

Leia mais sobre o transfeminismo aqui e sobre a necessidade de um feminismo sem cissexismo aqui.







quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Publicidade Machista - Os dias de silêncio acabaram



Alguns dias se passaram desde que aconteceram os protestos contra a marca de preservativos Prudence e a cerveja Nova Schin. As duas marcas veicularam campanhas machistas que legitimavam a cultura do estupro. O resultado é que, em ambos os casos, as campanhas foram retiradas dos veículos de divulgação. A Prudence fez uma retratação e a Nova Schin fingiu que não era com ela. Jamais admitirá o erro, embora tenha retirado a peça publicitária da TV. Tudo bem, foram duas batalhas vencidas, mas a luta por uma mídia livre de machismo, racismo, homofobia, transfobia está longe de acabar.

A Nova Schin substituiu a propaganda "Homens invisíveis", pela propaganda "Caveirinhas". Notem que, ainda sim, é uma propaganda machista. 



Isso sem contar a propaganda transfóbica (não consegui encontrar em outro link, apenas aqui) que rolou há alguns meses. A Nova Schin está de parabéns... só que ao contrário!

Um pouco antes da propaganda da Nova Schin virar polêmica nas redes sociais, eu tomei conhecimento de um anúncio do automóvel Fiat Bravo, veiculado na revista Playboy. Tratava-se de um anúncio cuja idéia era a de que mulheres preferem homens com carrões (novidade: há mulheres que gostam de carros e os compram com o próprio dinheiro, sabia, fiat?). O texto diz: "Se você ainda não tem um Fiat Bravo, o jeito é tentar impressionar os seus amigos deixando fios de cabelo de mulher espalhados pelo seu carro atual." Mensagem claramente misógina. Veja:



O mesmo produto, Fiat Bravo, já teve uma propaganda de muito mau gosto comentada por mim em um post sobre consumo. A propaganda demonstrava a idéia de que se eu não consumo, eu não existo (e guess what? No finalzinho da propaganda o dono do Fiat Bravo aparece acompanhado de uma mulher, reforçando a mesma idéia do anúncio da playboy).



Logo depois dos protestos, mais uma vez a publicidade machista me chamou a atenção: a propaganda do Fiat Punto, que faz troça das mulheres que protestam de topless (Eles dizem "Na Europa", mas faz diferença uma vez que a propaganda é exibida no Brasil? Acho que não). Eu participei de alguns protestos no Brasil, da Marcha das Vadias, por exemplo. Nessa marcha, muitas moças fizeram topless. Com isso elas pretendiam requisitar não os olhares masculinos, mas o direito sobre seu próprio corpo, a soberania de suas vontades, o fim da violência contra a mulher. É dessas pessoas que a Fiat está falando, das pessoas que lutam por um ideal muito necessário. É esse o grau de desrespeito com que nós somos bombardeadas na publicidade:



Sabe o que todas essas propagandas, com exceção da propaganda da Prudence, tem em comum? Foram todas feitas pela mesma agência. Não estou dizendo que essa agência é a única que reproduz preconceitos diversos nas propagandas. Estou afirmando apenas que o fato demonstra que o machismo vende e muito, e ele foi por muitos anos a fórmula do sucesso das propagandas de cerveja, detergente e carros (entre tantos outros produtos), só que os dias de anuência silenciosa acabaram. Ainda que o CONAR tente continuar fazendo ouvidos moucos aos nossos apelos, nosso barulho está aumentando.

Uma imagem que fala muito sobre o CONAR, que devia mudar logo de nome para Clube do Bolinha:

Imagem editada por LIHS e Bule Voador


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Uma luta que soma e o comentário sobre a Valente.

Uma das coisas mais recompensantes de se ter um blog, na minha opinião, são as discussões que podem ser geradas a partir de um post. Trata-se de um processo enriquecedor, disso não há dúvidas. Não há nada melhor que receber links e até mesmo sugestões que adicionem e ampliem os nossos horizontes.

Dias atrás eu tratei da galera do “me convence”, que faz questão de levar suas discordâncias a extremos, de forma a não engendrar crescimento em absolutamente nenhuma das partes envolvidas. Hoje, porém, eu gostaria de celebrar e reconhecer o valor de alguns comentários que somam. Acreditem, em tempos nebulosos em que diversas vozes minoritárias são silenciadas pelo mundo, são comentários assim que nos deixam a certeza de que nossos esforços não têm sido em vão.

Queria portanto agradecer a cada pessoa que dispôs de algum tempo para acrescentar algo às discussões. Seja através de relatos pessoais, através de exemplos que amplifiquem o nosso campo de visão acerca de determinado assunto, seja simplesmente nos dando força e dizendo “é isso aí, adorei o blog!”. Fica de minha parte e da parte de todas nós do Ativismo, os mais sinceros agradecimentos.

E gostaria de dar visibilidade a um comentário que me tocou muito. Trata-se do comentário da Ana, sobre o meu post acerca do filme Valente. Ana, muito, muito obrigada!  Eu assisti "Como treinar seu Dragão" esse fim de semana e não poderia concordar mais com tudo que você escreveu.

Então é isso, amgs. Fiquem com o comentário da Ana e, se possível, discutam, sugiram, nos ajudem nessa construção de um ativismo que é muito maior que qualquer uma de nós.



 Atenção: Contém Spoilers :)

"(I)
Muuuito atrasada, mas vamos lá.

FINALMENTE UMA CRÍTICA POSITIVA DE VALENTE.
E gostei muito das informações sobre a simbologia do urso :D

Eu sei que fui burra, mas caí em tentação e li alguns textos na internet antes de ver o filme. Fui pro cinema com a minha mãe bem desanimada por isso, mas depois de assistir, saí indignada com quem falou mal da história >:|

É perfeita? Não, não é. Mas é um ótimo primeiro passo.
Sou filha de mãe solteira e sinceramente, eu estou de saco cheio de ir pro cinema e passar o maior climão porque a história toda gira em torno da figura paterna. Podem me xingar de paranóica whatsoever, mas eu preciso desabafar.

Sei que ninguém tem nada haver com isso, mas meu pai era uma pessoa horrível, e Valente é o primeiro filme que não me deixa desconfortável em momento nenhum; não me faz lembrar do rombo que ele deixou. Nada contra a figura paterna, mas puxa, nunca antes na história desse país eu tinha saído tão leve de um filme.
Se a conta fosse 50%/50%, tudo bem. Mas a maioria esmagadora não trabalha a relação com a mãe - e mesmo os que tem mãe presente no roteiro não chegam aos pés de Valente. O foco nunca tinha sido esse. É difícil de explicar, e sei que não é um argumento plausível para crítica por ser muito pessoal, mas pra mim é muito importante. Esse foco na relação mãe-e-filha teve um impacto muito forte em mim, muito tangível. Mais do que perceber ou analisar, eu senti a diferença. Senti.
Me sinto obrigada a dizer, pensando nas tantas outras que são como eu: esse filme me trouxe um alívio tremendo. Pela primeira vez saí do cinema sabendo que aquele entretenimento era meu E da minha mãe, nosso, sobre a nossa relação. Até hoje, tudo o que eu via precisava entortar pra fazer caber na minha realidade, ainda que me identificasse com o drama.

Eu tinha, TINHA que dizer isso. Podem me chamar de egoísta, mas eu não me sentia representada por outras histórias onde a relação com a mãe não era tão importante. Eu estava, sim, esperando avidamente por algo que falasse um pouquinho do que eu vivo.

Pra mim, Valente dialoga muito com 'Como Treinar o Seu Dragão', da DreamWorks (maravilhoso, estupendo, recomendo muito, muito mesmo). O cenário, a coisa viking/celta, gente ruiva por todo o lado, rs... Em CTSD, Stoico, Chefe de Tribo Viking, tem altas expectativas para seu filho, Soluço; do mesmo jeito que a Rainha Elinor tem expectativas para Merida.

A diferença gritante - Stoico quer um filho Guerreiro, Matador de Dragões; Elinor quer uma filha princesa, casada por convenção (Depois desigualdade entre gêneros é tudo invenção da cabeça de feminista doida...)

Eu ficaria muito, muito feliz se a DW sentisse uma pressãozinha básica pra ter uma protagonista mulher. Eu gosto muito do jeito que eles zombam dos contos de fada em Shrek, e CTSD é uma obra prima, acho que podia sair coisa muito boa do estúdio.





(II)
O filme tem cenas maravilhosas e muito emocionantes. Eu cito:

- a competição de arqueiros: ato de rebeldia e independência sem igual, Merida atirando aquelas flechas pra mim foi ÉPICO

- a briga de Elinor e Merida, o corte na tapeçaria e o arco no fogo: a tapeçaria me lembrou muito as fotos de família que mães tanto amam, cortá-la foi algo muito simbólico. Vi gente chamando Merida de mimada, mas eu discordo. Veja, “Eu prefiro morrer a ser como você” É um exagero, mas É a cara de uma adolescente. Já vi isso na vida real, e por coisas muito menores que um casamento.

Aliás, acho bom ressaltar o peso do casamento. Dá pra ser pior que se sentir sozinha, desamparada, e forçada a tomar uma decisão que vai mudar sua vida drasticamente? Merida está DESESPERADA, e por motivos fortes. É um casamento, caramba. É mais que passar o final de semana sem vídeo game, é mais que um capricho, é uma razão muito forte pra se rebelar. Ela é princesa, querem pautar sua vida toda nisso, a mãe que é tecnicamente a pessoa mais próxima dela é justamente quem não a apóia. Ela é vítima de uma injustiça descarada e não tem pra onde correr. Acaba passando dos limites. Não é justificável, mas pra mim é plausível. 

A mãe, por outro lado, tem suas razões e está tão angustiada quanto a filha. Resultado: reage com uma agressão igualmente violenta – joga o precioso arco no fogo.
Merida cortou a relação entre ela e sua mãe; Elinor queimou a independência da filha. É uma batalha, elas machucam uma à outra de maneira feroz porque estão ambas desesperadas; é um cabo de guerra. Obviamente, em guerra ninguém ganha nada. Ambas saem sangrando, ambas são vítima e algoz ao mesmo tempo. Elinor entra em pânico logo depois de jogar o arco no fogo porque ela sabe, ela tem perfeita noção do quão tremendamente importante ele é para a filha e quão devastada Merida fica sem sua liberdade, que é sua marca maior. Merida se embrenha na mata chorando. É traumático.

- o momento em que Merida fica trancada no quarto, assistindo um pelotão de homens saindo à caça de sua mãe: além de rebelde, Merida me parece uma otimista incorrigível. A verdade é que, não importa o quão ruim a situação pareça, ela continua crendo que tudo vai dar certo e que ‘não é tão grave assim’. Ela só reconhece o perigo quando é deixada no castelo. Só aí ela percebe que as coisas perderam o rumo, que o ‘acidente bobinho’ com a poção pode acabar custando a vida da mãe. Merida chora, lamenta, e pra mim é nesse momento que ela se arrepende verdadeiramente, é o momento da redenção.

- a breve luta com o pai, já quando a mãe ursa está subjugada: Gostei de ver Merida lutando, literalmente, pra defender a mãe. Sei que a cena no castelo impressionou também, mas do lado de fora eu vi a força à serviço da proteção. Quantas vezes vimos homens lutando para salvar donzelas indefesas? Merida lutou, na base do muque, para proteger a mãe. Foi mais do que apaziguar, mais que se jogar na frente, foi ativo.



- a luta entre a mãe ursa e o herdeiro amaldiçoado: Elinor tinha muitos defeitos, era cheia de não-me-toques, mas quando Merida estava em perigo, ela se transformou. Foi para o ringue, no final é isso que todas as mães acabam fazendo. Pra mim foi muito significativo ver a mamãe rainha da elegância rolando na grama com o maldito que tentou machucar sua filha. Eu não pude deixar de imaginar como seria a cena com seres humanos. Pra mim foi o momento mais épico da história. ‘Ninguém mexe com meus filhos!’ – e de repente o mundo desaparece, a coroa e todas as obrigações sociais se vão pelo ar, porque não há nada que uma mãe não faça pra salvar uma filha.

(III)
Finalizando, e eu me desculpo sinceramente pelo comentário exagerado, Valente é um bom filme, com emoção e profundidade. Talvez não seja tão bem humorado quanto muitos queriam, mas tem cenas lindas, épicas, cheias de significado. Não é perfeito nem de perto mas é o pontapé inicial que precisávamos.

Vi críticas à figura apática do pai, mas como vejo casais assim na vida real, tenho que dar o braço a torcer e dizer que aquele pai nada mais é que um retrato do que pode existir por aí.


A parte que mais me decepcionou foi o discursinho de Merida ‘conquistem meu coração primeiro’ e blablabla. Tudo bem, quebramos a tradição, ela não vai ter que casar, yay. Mas eu ainda acho que a autonomia de Merida sobre seu destino devia ficar mais clara como um direito, e não apenas uma concessão.

Por hoje é “só” isso, porque não me lembro de mais nada que queira comentar XD"

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Free Pussy Riot!


Três membros da Pussy Riot, banda russa, punk e feminista foram condenadas hoje a dois anos por se manifestarem contra Putin numa Igreja. Uma crítica simbólica, visto que a Igreja Ortodoxa lá tem uma relação de influência no Estado. As eleições que ocorrem na Rússia são consideradas uma farsa para muitos e o líder da Igreja Ortodoxa apoiou Putin na última candidatura à eleição.

A Anistia Internacional as declarou prisioneiras de consciência. O julgamento feito foi uma farsa, desde o início era claro que elas seriam condenadas. Elas tiveram seus pedidos de fiança recusados, elas não tiveram nem direito a receber visitas. Durante o julgamento houve até uma frase que virou manchete tamanho absurdo: "O feminismo é um pecado mortal", que deixa mais do que claro que a prisão delas foi por uma questão de opinião. 

A opinião internacional condena a prisão. Hoje houveram manifestações "Free Pussy Riot" pelo mundo. E na Rússia, quem se manifesta contra a condenação é preso, mesmo que sejam manifestantes de 16 anos ou Garry Kasparov, enxadrista e defensor dos Direitos Humanos. Há quem diga que a Rússia se definiu de vez com essa condenação, se definiu como um Estado que não respeita os Direitos Humanos, principalmente os civis e políticos. 

Faith no more, Madonna, Paul Mccartney, Peaches, Simonne Jones, Kate Nash e outros artistas e pessoas públicas se manifestaram pró Pussy Riot. 

Apoiar a liberdade das integrantes do Pussy Riot é uma forma de repudiar atos de abuso de poder praticados pelos Estados e lutar para a efetivação dos Direitos Humanos. Afinal, a liberdade de expressão é um direito humano componente necessário do próprio direito humano a Democracia.  O julgamento das integrantes, conforme foi dito foi parcial e não respeitou os princípios básicos de um Estado Democrático de Direito. 

Outro ponto a ser destacado é a questão da laicidade do Estado, afinal, a manifestação delas era direcionada ao Putin e ao fato do líder da Igreja Ortodoxa apoiá-lo. Elas não tinham o objetivo de ofender a liberdade religiosa das pessoas. O objetivo era criticar essa relação Estado/Igreja e como isso fere a Democracia e os demais atos de abusos estatais de Putin.

Não apoiar as Pussy Riot é de certa forma ignorar o fato que Putin há tempos farsa eleições, leis e afins para se manter no poder. Por exemplo, quando ele não podia mais ser eleito presidente, só primeiro ministro, houve uma modificação nas atribuições de poder do primeiro ministro para ser exatamente igual ao do presidente. E depois disso, Putin se tornou primeiro ministro e manteve seu poder.

E eu convoco vocês, leitores do Ativismo de Sofá, a tirarem uma foto em apoio ao grupo e demonstrando repúdio ao julgamento parcial e tendencioso que ocorreu. Nós, do Ativismo de Sofá, faremos um álbum na nossa página no Facebook com as fotos enviadas. A minha foto já está lá. Há também um evento chamado "#FREE PUSSY RIOT" que convoca os convidados a trocar de foto do perfil ou da capa em solidariedade a elas. Nós somos a favor dos direitos humanos e contra abusos estatais, somos todas pró Pussy Riot! Somos contra a opressão.

FREE PUSSY RIOT!

Assinem as petições "Free Pussy Riot" e a favor dos direitos humanos: 
Favor enviar as fotos no email ativismodesofa@gmail.com
Ato em apoio às Pussy Riot em São Paulo: https://www.facebook.com/events/425068190872898/
Texto da Escreva Lola Escreva sobre o caso aqui.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cultura do Estupro - Avenida Brasil e a naturalização da violência


Aqui estou, mais uma vez, falando sobre novela. Enquanto da última vez a minha maior preocupação era a "cura gay" e a "redenção da piriguete", dessa vez o assunto é outro: Estupro. Em pouco tempo tivemos os protestos da prudence e da Nova Schin, e agora, "Avenida Brasil" naturaliza a violência.

Casamento de Ronielen
Sabíamos, como disse no outro post, que Roni e Suelen se casariam, o que de fato aconteceu: O gay e a piriguete se casaram. Em tese, o casamento seria de fachada, mas Suelen está determinada a seduzir o marido. A questão é que Roni é gay, o que a Suelen faz? Embebeda o rapaz para seduzí-lo e faz sexo com ele.

Assista aqui.


No dia seguinte Roni acorda e fica atordoado ao perceber o que aconteceu. Ele a acusa de assédio sexual (Não, Roniquito, o nome disso é estupro de vulnerável mesmo!), diz que vai chamar a polícia que vai processá-la. A reação de Suelen? Ela ri, zomba dele, diz que ele vai ser piada no Divino. Não é à toa que tantas pessoas, homens e mulheres, quando vítimas do estupro se sentem envergonhados e até mesmo culpados. A estigmatização também é responsável pela impunidade dos agressores.

Assista aqui.


A questão é que em tempos em que figuras nefastas como a psicóloga Marisa Lobo e o deputado Jair Bolsonaro promovem debates tentando deslegitimar a proibição do Conselho de Psicologia à chamada "cura gay", a novela exibe um gay fazendo sexo com uma mulher. A prática do sexo não-consensual para fins de cura da homossexualidade é chamada de estupro corretivo.

Estupro corretivo sendo exibido na novela de maior audiência do país, em tom de piada, além da troça que suelen faz da ameaça de processo de Roni, é mais uma manifestação da cultura do estupro naturalizando a violência. 


O pior é que essa não é a primeira cena de estupro que vi em Avenida Brasil, há alguns meses vi uma cena horripilante no núcleo do Cadinho. Um personagem detestável que era casado com duas mulheres e mantinha um relacionamento com mais uma, Alexia. E há uma cena em particular em que o estupro de fato aconteceu.


O núcleo mais chato da novela
A cena é a seguinte: Alexia já tinha terminado o relacionamento com Cadinho e estava noiva de outro homem, o Ruy. Cadinho entra na casa dela, veste o pijama do Ruy, passa o perfume do Ruy e tenta estuprá-la enquanto ela usa um tapa-olhos desses de dormir. Ao perceber que se tratava de Cadinho, Alexa tenta expulsá-lo, mas não consegue. Diante da negativa dela, ele a força a fazer sexo com ele, mas no fim, ela parece feliz. 

Assista aqui.


Então, se ela está feliz, qual o problema disso?

O problema é que essa cena diz o seguinte: "Mulheres dizem não quando querem dizer sim". E essa é uma máxima que ajuda na manutenção da cultura do estupro. Ainda que ela quisesse fazer sexo com o Cadinho, ela disse que não. A vontade dela foi expressa e deveria ter sido respeitada. Não é não.

Imagem babaca que corre aí pelas redes sociais
Não é difícil entender o que é o estupro. Basta compreender o que significa "não consensual". Sabe aquela passada de mão na bunda da mulher? Estupro. Sabe aquele beijo forçado na boate? Estupro. Sabe quando alguém embebeda outra pessoa para conseguir ficar com ela? Estupro. Pois é, nossa legislação é bem abrangente. Estupro não é apenas aquele momento em que alguém é abordado por um estranho na rua e é forçado a fazer sexo com o agressor, estupro é muito mais que isso. E inclusive, acontece frequentemente dentro de casa, com pessoas conhecidas, muitas vezes com o próprio marido ou namorado, como no caso de Roni/Suelen e de Alexia/Cadinho.

Exibir um gay bêbado fazendo sexo hétero e um casal hétero fazendo sexo após uma negativa expressa da mulher, sem nenhuma consequência para as partes agressoras é passar uma mensagem clara de que esses comportamentos são aceitáveis. É acatar a cultura do estupro, é mantê-la, é disseminá-la.

UPDATE: Algumas pessoas estão achando que eu detesto o Cadinho porque ele está numa relação não-convencional. Muitíssimo pelo contrário, o que eu não gosto é de mentira. O Cadinho enganava as mulheres e não estava em uma relação livre, ele estava em 3 relações monogâmicas em que ele era infiel em todas. Reside aí uma grande diferença. Eu encaro as relações livres como um relacionamento onde a sinceridade é muito importante. Não é conservadorismo da minha parte. Quem quiser se informar mais sobre relações livres pode entrar no blog da Rede Relações Livres.