sexta-feira, 30 de março de 2012

Eu não gosto de me depilar

Pois é, não gosto. E a parte triste da história é que estou sempre depilada. Não faço por mim, faço em nome do patriarcado, faço por não ter coragem de ir contra essa imposição. Mas não gosto.


Muitas mulheres dizem que se sentem bem, se sentem “limpas” (péssima essa associação de depilação com higiene, já totalmente furada pela medicina) e, por isso, acham que faz bem para a autoestima. Pois eu discordo. Apesar de também me sentir dessa forma, não acho que isso tenha algo a ver com autoestima. Se sentir bem por estar dentro do padrão não é necessariamente gostar de fazer algo.


Quando eu saio depilada me sinto bem, me sinto bonita. E não tenho a menor dúvida de que todos estão admirando minhas belas pernas depiladas (na minha cabeça, claro). Nem considero a possibilidade de alguém sentir desgosto ou aversão por eu estar depilada, o que não é apenas usual, mas senso-comum acontecer quando a mulher ousa sair sem se depilar. O que não há de programas de “fofocas” apontando as que deixaram escapar um pelinho na entrega do Oscar, hein.


Percebo que é muito diferente de me tatuar ou de pintar o cabelo, por exemplo. Nessas duas outras manifestações de vaidade – porque sim, por mais que a tatuagem tenha o significado mais transcendental da história, ela ainda é estética, então, sim, é vaidade – eu mal considero a possibilidade de alguém reparar. Me sinto tão bem, tão bonita, tão “para mim” que se alguém de fora vai olhar ou não, não faz a menor diferença. Se vai gostar então, menos ainda.

O momento em si também é diferente. Tatuar também dói, mas é uma dor que me agrada, pintar o cabelo demora, mas não me incomoda. Nos dois casos o resultado final é tão prazeroso quanto o resto do caminho. Já a depilação dizem que “dói, mas compensa” (?). Eu suporto a dor do processo em busca do resultado final, o momento da depilação não é, de maneira alguma algo que eu goste de fazer.

Acontece então que ao me depilar me sinto bem por conta da “aprovação social” que recebo, e coloco essa aprovação entre aspas, pois ninguém vai me dar parabéns ou me elogiar pela depilação, afinal, como mulher, "não é mais que minha obrigação" fazê-la. A aprovação em questão é meramente não receber olhares de repúdio, asco – e, claro, comentários maldosos – a pernas não depiladas. E eu preciso dessa aprovação social na depilação, justamente por não gostar dela. O “sentir-se bem” neste caso está diretamente ligado ao consenso do que é belo e não a minha imagem e satisfação pessoal e particular.

É necessário saber diferenciar o que nos faz intimamente bem do que é socialmente esperado de nós, pelo nosso próprio autoconhecimento. Autoestima é diferente de satisfação por se encaixar na estima alheia. A libertação é processo gradual e, de uma forma ou de outra, todas contribuímos com a escravidão de nosso corpo, quando nos mutilamos desgostosamente em função do outro. Reconhecer como nos sentimos e porque nos sentimos assim diante de cada detalhe do nosso corpo é libertar a consciência e visualizar o que há de mais íntimo em nós. É necessário.

Particularmente, eu me tatuo por mim. Mas me depilo pelo patriarcado. Ainda e infelizmente.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Menstruação é tabu?

'Menstruate with pride', oil on canvas, 215 x 275 cm - Sarah Maple

           Quem nunca ouviu a frase "Fala mais baixo, ninguém precisa saber que você está naqueles dias" ao pedir um absorvente pra colega de sala? Durante meu ensino fundamental, depois de passar muito pelo "Shiiiiiiiiu, não fale isso alto, você não tem vergonha?", eu descobri uma série de apelidos que o período menstrual tinha, por exemplo, "Tô de papai noel", "Tô de chico", "Tô naqueles dias", "Estou com visitas" e "Sinal vermelho", entre outros, todos eles com o fim de esconder a menstruação ou colocá-la com um nome "menos nojento". Os mitos que envolvem a menstruação são vários, quem nunca ouviu que mulher menstruada não pode arrumar a cama porque quem deitará naquela cama ficará doente? E não podemos esquecer dos famosos "mulher menstruada não pode fazer bolo, porque impede que ele cresça" e do "nesses dias não pode lavar o cabelo não, porque o sangue vai pra cabeça". Além desses mitos, há também o mito de que a mulher menstruada tem que ficar de repouso durante o período, e também que a mulher deve evitar de sair de casa "nesses dias". É fácil perceber como o corpo designado como feminino e a menstruação são cercados de mitos de toda espécie. Os últimos dois mitos citados tem um caráter de esconder ainda mais a mulher, além disso é possível refletir que durante o período menstrual as regras para as mulheres ficam ainda mais rígidas, como se a menstruação fosse um castigo.

  O período menstrual, na sociedade patriarcal, é considerado um período de purificação da mulher, a menstruação é vista como algum impuro, sujo, assim como a mulher, que ao mesmo tempo em que é glorificada pela maternidade, é odiada em todas as outras formas. As mulheres são consideradas desde a Antiguidade perigosas, misteriosas, frias e o tabu da menstruação cresce baseando-se num suposto lado obscuro feminino, que supostamente é expelido durante a menstruação, e essa ideia é que fomenta a Bíblia condenar o contato da mulher menstruada com os demais familiares, lugares e coisas consideradas santas, por considerar o sangue impuro. 

            E a sociedade contemporânea compactua com esse pensamento de diversas formas, a menstruação é vista como algo a ser escondido, algo sujo, imundo e que não deve ser falado, principalmente com homens cis, porque “eles não precisam saber dessas nojeiras”. O nojo da menstruação é o nojo do que é considerado feminino, tudo que faz parte do ciclo menstrual, como o sangue, a vagina, o útero e os ovários são considerados imundos. E a mesma lógica do nojo da menstruação se aplica ao nojo da vagina, o constante estímulo comercial de venda de absorventes diários que teriam a função de despistar o cheiro da vagina, os sabonetes íntimos, a vinculação da depilação com a higiene são formas de esconder e despistar o feminino. E o ódio ao nosso corpo está muito vinculado a esse tabu, afinal, a vagina é considerada feia, incompleta, com cheiros desagradáveis e tem contato com o sangue de menstruação, com tantos julgamentos a respeito do que é bonito, feio, bom e mau, conhecer nosso corpo não é nem cogitado.

            O tabu da menstruação, a misoginia e o tabu de sexo estão interligados. A menstruação na nossa sociedade simboliza que o que vem das mulheres é impuro, a misoginia está na vinculação do que é feminino ao que cheira mal, é feio, nojento, impuro e por fim, o tabu do sexo. O sexo com uma mulher menstruada é considerado um "pecado" em diversas culturas, na maioria delas, os homens que tivessem contato com o sangue de menstruação também seriam considerados impuros, como as mulheres. Há diversos mitos sobre o tema, um deles diz que as mulheres que engravidassem durante o período menstrual teriam filhos-monstros. Em outras culturas simplesmente é dito que a gravidez ocasionada pelo sexo com contato com sangue de menstruação originaria apenas filhas mulheres e por isso deveria ser evitado. O tabu do sexo vai além do sexo com menstruação. O estímulo de esconder tudo que é vinculado ao sistema reprodutor feminino faz parte da própria repressão sexual feminina, visto que esconder o ciclo menstrual seria reforçar que o desejo sexual deve ser escondido. O sexo e o desejo são considerados pertencentes ao homem cis, enquanto a mulher deve esconder seu desejo até aparentar não ter nenhum.

            Colocar o tema “menstruação” como algo exclusivamente pertencente ao feminino, evitar tocar no assunto perto de homens, é sintomático. O corpo da mulher não é dela, o corpo pertence ao que o homem pensa sobre ele e para haver a libertação é necessário falar sobre, parar de esconder e se envergonhar do próprio corpo. Falar sobre menstruação, é tomar para si o desejo, o tesão e sua autonomia. 

Observação: nem todas mulheres menstruam e não somente mulheres menstruam, entenda melhor lendo textos no "Transfeminismo". Os mitos sobre a menstruação além de misóginos e machistas, são também cissexistas.

segunda-feira, 26 de março de 2012

"Só podia ser mulher!"


Nascida numa pequena cidade, mas criada em uma capital, Brasília, eu jamais tive contato com o trânsito que não fosse caótico. Desde criança estou habituada aos engarrafamentos e à falta de estacionamentos. Mas apenas desde que comecei a dirigir foi que entendi o quanto o carro é salvo-conduto para comportamentos agressivos (Coisa que Walt Disney já falava 30 anos atrás), machistas e até criminosos. Não sei se esse comportamento é ocasionado unicamente pelo stress dos longos períodos preso no trânsito, ou por outras frustrações que são despejadas quando o motorista se esconde atrás do volante. O que sei, e que posso afirmar é que em pouco tempo de direção (eu dirijo a cerca de 4 anos) eu me vi em algumas situações que variaram de constrangedoras à perigosas.
Por aqui o trânsito tem algumas peculiaridades interessantes. Brasília foi a primeira cidade do país a adotar o cinto de segurança obrigatório e o respeito absoluto à faixa de pedestres. Só essas duas características tornam o trânsito muito mais seguro para motoristas e pedestres. Mas ainda há muito a se fazer principalmente no sentido de melhorar a circulação de pedestres e ciclistas dentro da cidade. Brasília foi projetada para a circulação de automóveis, as vias são largas, há até uma via expressa que corta a cidade, porém não temos ciclovias suficientes, transporte coletivo ou de massa de qualidade. E por aqui tudo é muito longe. O somatório desses fatores faz com que antes mesmo do brasiliense médio pensar em comprar uma residência, ele deseja ter um carro. Comigo não foi diferente, logo que comecei a trabalhar como arquiteta consegui adquirir meu primeiro automóvel.
Ainda uma motorista insegura, passei por algumas situações ocasionadas por falhas minhas, decorrentes da minha falta de experiência. Qual mulher em situação similar nunca ouviu as seguintes frases: "Só podia ser mulher!", "Volta pra cozinha!" e "Ê, Dona Maria!"? Quando na realidade as falhas foram provocadas pela insegurança e inexperiência? O problema maior é que não pára por aí. Por duas vezes no meu primeiro ano de direção, a minha integridade física foi ameaçada. Ainda hoje, quando eu falho é possível ouvir alguma das grosserias acima. E olha, no trânsito todo mundo erra. Meu pai tem 40 anos de direção e ainda comete pequenos deslizes. Ser imperfeito é normal. Esse tipo de julgamento afeta potencialmente a segurança das motoristas, fazendo com que elas mesmas interiorizem esse machismo e apliquem no seu dia-a-dia, repetindo essas ofensas contra outras motoristas.
Na primeira ocasião em que me senti ameaçada, meu único erro foi não dar passagem para um motorista apressado. Irritado, ele me perseguiu e "fechou" o meu carro, quando cheguei à uma via de menor circulação de veículos. Fui obrigada a frear. O motorista desceu do carro dele e partiu para cima de mim. Minha única reação foi engatar a ré e sair o mais rápido que consegui pelo mesmo lugar em que havia chegado. Eu até hoje me pergunto o que teria acontecido se eu topasse entrar numa discussão com aquele homem. E principalmente, me pergunto: se eu não fosse mulher, ele teria agido como agiu? Será que ele persegue todos os motoristas que não lhe dão passagem? Eu acredito que se fosse homem não teria passado por esse trauma. Em outro momento, eu falhei. Quase dei uma fechada em um motociclista, mas eu o vi a tempo de evitar um acidente. Pedi desculpas e segui em frente. Mais à frente a mesma situação, parei em um semáforo e ele parou na minha frente. Desceu da moto para vir me dar sermão, por sorte os outros motoristas que estavam parados no semáformo interviram a meu favor. Curiosamente nunca fui abordada dessa maneira por uma mulher. Não estou afirmando que mulheres nunca se descontrolem no trânsito (inclusive vi um vídeo essa semana envolvendo uma motorista de Brasília), estou afirmando que acontece menos.
O que dá a um motorista o direito de agir de forma agressiva, inquisidora com qualquer outro motorista, especialmente com as mulheres? Simples: O trânsito é espaço público, e consequentemente masculino. Por mais que muitas mulheres estejam atrás de um volante, por mais que os números mostrem que mulheres sofrem menos acidentes mortais, por mais que racionalmente se saiba que o que define um bom motorista não é o gênero, o espaço pré-definido pela sociedade para a mulher é a esfera privada. Portanto, o carro ainda é um assunto masculino, ainda não nos dão o direito de ir e vir com a mesma tranquilidade com que os homens transitam pelas vias. É por isso que para alguns homens, mulher e direção só podem estar unidos de alguma forma, quando a mulher é objetificada. Quando será possível pensar em um "Salão de automóveis" sem uma mulher lindíssima  ao lado de um veículo?

segunda-feira, 19 de março de 2012

Ativesevocêtambém.com



Sabem que há algum tempo surgiu essa loucura chamada internet, não é? E com muita sorte – e políticas públicas para inclusão digital – a bichinha se popularizou e ainda tem popularizado cada dia mais. Isso é exatamente o que permite que você esteja lendo esse meu texto agora, mesmo que eu nunca tenha te visto na minha vida. Loucura, né?

Querendo ou não, a internet é uma tremenda forma de democratização da informação (embora ainda não seja acessível para todos), no sentido de que não aumentou apenas a quantidade de pessoas que escuta, mas sim a que fala. A internet tirou das mãos da grande imprensa a possibilidade de nos informar ao seu bel-prazer e nos permitiu não só conhecer mais sobre mais assuntos, mas também fazer os assuntos. Aqui nós pautamos.
Os chamados “ativistas de internet/sofá” usam a rede de uma forma útil e produtiva para disseminar suas ideologias, fortalecer sua causa e argumentar a favor delas. Essa “modalidade” de ativismo tem sido alvo de diversas críticas. Acredita-se que falam muito, mas que na “vida real” não estão fazendo nada sobre o assunto, nada “para mudar de verdade”.

Ok, então vamos conversar: Primeiro que já passou da hora dessa dicotomia entre mundo real x mundo virtual deixar de existir, não é minha gente? Por favor, já está claro que vivemos em uma época histórica em que as duas coisas se fundem e o mundo como conhecemos hoje só existe dessa forma. O virtual e o real não existem, ambos influenciam, espelham e interferem um no outro. Para mim funciona como se colocassem em dois pólos distintos a “vida” e a “arte” (e por arte aqui entendam todas as possibilidades de manifestação desta), não é óbvio que eles não só influenciam um no outro como coexistem de forma homogênea? Pois é.

Além disso, quem critica essa forma de ativismo está se esquecendo de algo primordial: O poder do discurso. Minha gente, vocês estão achando que um dia as mulheres se encontraram no meio da rua e rolou um “então, não to fazendo nada, vamos ali queimar os sutiãs?” NÃO GALERA. Antes disso elas falaram. E falaram muito. A gente modifica o mundo ao nosso redor quando começa a questioná-lo e a melhor forma de questioná-lo é falando, perguntando, trocando informações e por fim, claro, disseminando, compartilhando, porque o povo tem poder. Ou seja, qualquer manifestação e mudança que não tenha caráter ditatorial só acontece depois das pessoas falarem muito a respeito.

O discurso é a base da educação, ele é o que dissemina informação, conhecimento, fortalece ideias ou mesmo preconceitos. O corpo e a voz são as armas mais poderosas que nós temos, vide censura como forma de controle. Não é só o que alguém faz que pode ameaçar a hegemonia dominante, caso fosse nossa ditadura militar não teria se dado ao trabalho de proibir músicas, poesias e outras formas de expressão. Tudo isso demonstra o quanto um discurso é poderoso, feito em suas mais variadas formas.

Ora e se a internet é hoje a melhor forma das pessoas compartilharem sua opinião de maneira massiva (atingindo maior número de pessoas em menos tempo), por favor me expliquem qual o erro em discursar por meio dela? Ativismo de sofá nada mais é do que a fala de anos atrás no mundo de hoje. Quem fica atrás de um computador digitando o dia todo está sim fazendo muita coisa pela sua causa. Está disseminando as dúvidas e as conclusões a respeito de um determinado assunto e, por consequência, fazendo aqueles que acessam o que foi dito por ele se questionarem também. E, como eu já disse, esse é o princípio da mudança do mundo (por mais utópico que isso possa soar).

Luta é fenômeno interespacial: Revolução nas ruas, nas praças, nas casas, nas camas e na rede.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Start a revolution, stop hating your body!


Comece uma revolução, pare de odiar seu corpo.
I am beautiful no matter what they say
Words can't bring me down
I am beautiful in every single way 
Yes, words can't bring me down 
So don't you bring me down today”

O senso comum diz que toda mulher é carente, insegura e que precisa ouvir elogios durante todo o tempo. O mesmo senso comum diz que amizades femininas são cheias de traição, competição e falsidade. Ele também brada que mulheres são fúteis e só se importam com aparência, status e moda. E o senso comum não se esquece de generalizar também os homens, todos traem, todos mentem, todos sacaneam, todos se interessam apenas pela beleza, pelo corpo da mulher, enquanto toda mulher se interessa em tudo que o homem tem a oferecer, seja dinheiro, poder, e contrariando alguns,até mesmo carinho
O senso comum trata os relacionamentos amorosos heterossexuais como um eterno jogo de trocas, poder, sedução e interesse, onde a mulher se torna objeto sexual do homem em busca de segurança, carinho e completude. Como ter autoestima vivendo em uma sociedade onde a mulher sempre acaba por ser reduzida apenas a um corpo sem autonomia? Um corpo pronto para servir? Onde a mulher precisa de alguém pra enfim se sentir completa?
 Somos todxs bombardeadxs com imagens de um padrão de beleza só atingível através de programas de modificação de imagens, cirurgias plásticas e dietas quase humanamente impossíveis de serem seguidas. O padrão de beleza é a origem de diversas insatisfações e inseguranças, especialmente femininas.

Feminist Ryan Gosling
A veiculação de imagens femininas na mídia sempre observa o fator da beleza, ou melhor, da adequação, mesmo que mínima, ao padrão de beleza vigente. As demais características da mulher ficam em segundo plano ou são ignoradas. Tanto reducionismo faz a mulher comum se sentir inferior a cada propaganda, a cada comentário elogioso masculino e heterossexual a respeito das mulheres dentro do padrão de beleza. O machismo nos reduz a eternas insatisfeitas. O nosso corpo não é nosso, é de toda uma sociedade que aponta defeitos e o que tá até bom, mas pode mudar, de forma, que nunca estamos livres de possíveis intervenções, opiniões e ofensas.
A incessante busca pela beleza, pela jovialidade é estimulada desde a infância, meninas brincam de maquiagem, de usar salto alto e os adultos aplaudem, pois essas meninas já tão novas valorizam tanto a “feminilidade”. Um dos brinquedos mais famosos para meninas é a boneca Barbie, que reforça ainda mais o padrão de beleza: loira, magra, pernas longas, peituda, cintura fina, traços delicados. A opressão estética surge pras meninas assim que nascem, por exemplo, a perfuração da orelha para usar brinquinhos e os lacinhos de cabelo, e continuam através da constante observação da imagem "feminina" na mídia e na sociedade. Concursos de beleza, com destaque, os infantis, ajudam a alimentar ainda mais as frustrações e sonhos que se relacionam apenas a conquista do corpo perfeito e a valorização da beleza. A importância dada à imagem feminina, desde muito cedo, faz parte do triste processo da adultização das meninas. Meninas usam maquiagem, salto alto e se vestem como adultas, importam discursos de competição feminina e inveja da beleza e já tão cedo se aprisionam na busca ao padrão de beleza e também nos papéis de gênero impostos pelo patriarcado e deixam de lado a liberdade de correr, de brincar, de serem autênticas e, consequentemente, perdem a autoestima ao fracassarem na busca da perfeição.

Brincar de maquiagem, com roupas e penteados não é necessariamente a fonte dessa adultização e da "escravidão" pelo padrão de beleza, essas brincadeiras são lúdicas, pura fantasia e proibi-las fere a autonomia da criança. Enfeitar não é sempre negativo, o que é negativo é vincular a vaidade e os enfeites ao "feminino" e excluir os demais da possibilidade brincar com as cores, se pintar, a liberdade de ser e criar não é necessariamente afirmar que há uma obrigatoriedade ou necessidade de usar a maquiagem para corrigir defeitos, esconder características, aparentar mais jovem. O discurso da obrigatoriedade do ser sempre linda e da maquiagem como acessório essencial para a mulher é da sociedade, se reflete na mídia, no comportamento das pessoas, ele não se origina nas brincadeiras infantis.
A vaidade é considerada uma característica essencialmente "feminina", e o excesso de cuidados e preocupações com a beleza nunca é visto como uma desordem. E é visível como essa busca em se enquadrar no padrão de beleza pode causar problemas sérios, como depressão, o desenvolvimento de compulsões alimentares, o excesso de intervenções cirúrgicas, entre outros.

Beth Ditto
Essa cobrança da mulher sempre ser bonita, "feminina" distorce a imagem que a mulher tem de si mesma. O bonito, segundo o padrão de beleza, é inatingível e frustrante. Mesmo as mulheres que trabalham com a beleza, como modelos e atrizes, que são tão desejadas e admiradas pela beleza, se tornam escravas do espelho, da insegurança, das dietas e até mesmo de intervenções cirúrgicas.
O feminismo ao questionar a imposição social que a mulher deve sempre ser bela (a.k.a dentro dos padrões de beleza) e o que é belo, ao questionar a idéia da mulher como objeto, ao questionar a vida da mulher girar em torno de agradar os homens, me fez perceber o quanto o padrão de beleza e as minhas preocupações com ele me reduziam a um mero enfeite. Todas as minhas insatisfações com meu corpo, minha altura, meu cabelo e meu rosto que tanto me impediam de gostar de mim como eu sou e me fizeram sofrer, me sentir mal, através da minha aproximação com o feminismo, diminuíram.
Eu me senti por anos, um monstro, feia, horrorosa, pequena demais, com o nariz pouco delicado, o cabelo desgrenhado... Hoje, apesar das ainda existentes dificuldades de gostar de mim, me sinto, a maior parte do tempo, bonita em minha completude, com minhas experiências, minhas cicatrizes, meus pêlos, meus traços. É um exercício diário tentar não me importar em ser mais magra, mais alta, mais peituda, com a pele sempre bonita, uniforme e corada e em ter o cabelo liso, sedoso e bem cuidado. Mas eu tento e às vezes consigo, porque já não me importa tanto ser "feminina", ser valorizada por ser bonita pra alguém, eu não vejo ser bonita como uma prioridade. Amar a si mesma é revolucionar, é se sentir bem com a sua imagem refletida pelo espelho, é negar as insatisfações com a nossa imagem que são impostas pelo padrão estético e reforçadas pela sociedade e a mídia, é dizer "não" para o que a mídia acha bom ou não no seu corpo, enfim, é ser realmente dona do seu corpo, dona o suficiente para ser dona da sua autoestima.

Todo corpo é bonito.
Através de diversos questionamentos feministas, começou a desconstrução do que é "feminino", belo e importante dentro de mim e minha autoestima vai se refazendo, se recuperando de julgamentos, zoações a respeito da minha altura, dos meus traços, do meu corpo e do meu comportamento e assim eu tomo de volta pra mim a minha autonomia. O feminismo me fez ver que a liberdade está em questionar o que é ser belo e a necessidade disso e assim me permite ser livre para ser, desejar, sentir, revolucionar, me pintar, subverter e assim me amar.


terça-feira, 13 de março de 2012

Nudez e Ofensa

Ontem aconteceu um protesto contra a política de censura do facebook. As imagens que, ao entender de Mark Zuckenberg e Cia LTDA, são pornográficas, logo, agridem a moral e os bons costumes, são retiradas da rede. Essa negação da nudez não é exclusividade da rede social, a reação conservadora contra os corpos nus está nas emissoras de televisão e até mesmo nas críticas de arte.


E todo mundo sabe que, desde que os Europeus aqui adentraram, nudez é um tema polêmico. Então para não causar surpresa em ninguém, deixo claro meu posicionamento desde o início do texto: Sou uma defensora. Acho que a nudez é natural e o fato das pessoas não lidarem bem com ela só demonstra que nosso corpo é propriedade alheia, não nossa. Meu sonho é viver em uma sociedade em que a nudez não choque mais ninguém (principalmente nesse país tropical, convenhamos!).


Mas independente disso, acredito que todos concordamos que nudez, pornografia e agressão visual são conceitos diferentes. O facebook resolveu censurar imagens de nu artístico e mães amamentando. Como se a nudez fosse sempre ofensiva e como se uma imagem coberta não pudesse ser. Enquanto o facebook está infestado de imagens preconceituosas e das mais diversas agressões aos nossos olhos, seios não podem aparecer porque ferem as regras da rede.


Dizem que uma imagem diz mais que mil palavras, porém a imagem só diz o que seu contexto determina. A imagem por si não fala, ela é apenas um signo, representante de algo (e Charles Peirce explica isso bem melhor do que eu). A mesma imagem em diferentes ambientes possui diferentes representações. Ela é associada a seu contexto, sua história e a cultura que se cria em torno dela, portanto não é possível estipular conceitos definitivos como o de que toda nudez é pornográfica, isso ignora o contexto da imagem e suas possibilidades.

Pois bem, pensando a partir de alguns valores básicos,o contexto e o significado dessas imagens, por favor me expliquem: De que forma uma mãe amamentando pode ser mais agressivo do que as diversas imagens de acidentes e violência, cheias de sangue, que infestam nosso facebook?


Há algum tempo a Campanha Vou de Bike resolveu fazer uma brincadeirinha (adoro só que ao contrário) publicando esta imagem que, vejam vocês ainda está aí. Ela não mostra seios, não é completamente desnuda, entretanto, colabora para a propagação de uma ideia preconceituosa e misândrica de objetificação da mulher, que mesmo em uma campanha pelo meio ambiente, precisa aparecer sexy para entretenimento masculino.


Corpos não deveriam chocar ninguém. Violência, opressão, agressão, sim. Imagens não podem ser censuradas pelo seu conteúdo imagético, mas analisadas por sua simbologia e representação, a ofensa não está na nudez em si, está no possível significado social por trás de uma imagem com ou sem roupa.

Seguimos tendo vergonha da nossa pele, enquanto valores deturpados e, sim, agressivos, não são questionados por fazerem parte do nosso histórico e de nossa cultura bárbara. A nudez é ofensiva não só porque é natural, mas também política. Nosso corpo é político e a utilização dele de maneira não objetificante, especialmente por mulheres, é contestadora demais, é rebeldia, é subversão.



Escrito por Paula Mariá, co-autoria de Gizelli Sousa e Thaís Campolina.

domingo, 11 de março de 2012

Mulher, sujeito verbal.


Para finalizar a semana da mulher, esse coletivo de imagens vem lembrar a todxs, que antes de mais nada, toda mulher é um ser humano único. Nós não somos todas iguais, não temos os mesmos desejos, as mesmas alegrias, somos diversas. E se nos unimos na singularidade do feminismo é justamente para lutar pelo direito de ter nossa pluralidade respeitada. Porque nós, mulheres, existimos e agimos por nós. Nós mulheres viajamos, fotografamos, desenhamos, bebemos, batemos papo, dançamos, bebemos café, cozinhamos, cantamos, protestamos, amamentamos, brincamos, atuamos, mimamos, estudamos, treinamos e estouramos plástico-bolha. Nós, mulheres, nos satisfazemos. Nos gostamos e somos felizes longe das regras do patriarcado e perto de nossas próprias vontades.


















Muito obrigada a todas que aceitaram participar dessa postagem, tornando assim possível sua realização. Imagens na ordem: Eu, Ananda Hassan, Beatris Astrath, Gizelli Sousa, Cely Couto, Caroline Jamhour, Laís Rangel, Renata Onofre, Elisa Prando, Julika Alguém, Aline Freitas, Marce Lee C, Thaís Campolina, Lívia Prando, Kel Campos, Andréia Kirch e Flávia Simas.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher: Mulheres que negam o feminismo


Alô você, amiga feminista, me diga quantas vezes você já ouviu uma mulher dizer: "Não sou feminista nem machista". Não sabe? Perdeu as contas? Pois é, eu também não sei. Algumas mulheres negam por ignorância, por acreditar que o machismo é o oposto do feminismo. E não é sobre essas pessoas que eu escrevo hoje. O meu post é dirigido à quem acredita que o feminismo é desnecessário, chato, panfletário. Mulheres que se orgulham de não levantar bandeiras.
Vivemos em uma época de contradições. Dizem que essa geração está perdida, que é alienada, que não se envolve politicamente. Contudo, toda bandeira hasteada é alvo de crítica. O pensamento crítico é sempre acompanhado do estigma de tedioso, chato e autoritário. Me causa revolta (e um tanto de tristeza) quando uma mulher que se beneficia das conquistas do feminismo, normalmente da classe média, bem informada o suficiente para saber que o feminismo é a defesa da igualdade de gênero, nega que é feminista.
Veja bem, se essa mulher sai com os amigos para festas, bebe, tem liberdade sexual, independência financeira, paga as próprias contas, vive a sua vida de forma independente, ela deve tudo ao feminismo. Se um dia criassem uma máquina do tempo, eu gostaria de colocar uma dessas mulheres nela e fazer um passeio (breve, nem precisa ir muito longe) para que ela possa entender a importância do feminismo, talvez levando a presenciar momentos históricos importantes ou mesmo deixá-la no passado (recente) por um ou dois meses. E então veríamos se a opinião dela seria a mesma. Os direitos das mulheres não caíram do céu no colo delas (e nem cairão no futuro breve). As mulheres lutaram muito para adquirí-los.
Essa ingratidão acomete muita gente. E não é só ingratidão, é egoísmo também. Porque muitas conquistas do feminismo foram para a classe média. Mas o que dizer das mulheres que vivem em maior vulnerabilidade social? O movimento feminista conseguiu muitas vitórias que privilegiaram a classe burguesa, mas a classe pobre ainda sofre em grau muito maior a opressão de gênero. A mulher pobre precisa muito do feminismo.
Pensamento crítico é estigmatizado. Se você pensa, verbaliza, discute, é chato, é tedioso ou pior: é arrogante. Por isso acho também que uma boa parcela das mulheres que criticam o feminismo, mas usufruem das suas conquistas, tem medo da não-aceitação. Parece que muitas mulheres ainda não se acostumaram a ocupar o espaço público. É quase um pedido de desculpas: "Homem, estou aqui ocupando o lugar que antes era só seu, foi mal. Mas eu não sou feminista, não, viu?". Isso não ocorre apenas com mulheres, o medo na não-aceitação acomete todas as minorias.
A geração dos meus pais levantou as bandeiras que permitiram que hoje a gente tenha uma democracia no Brasil. É triste ver que essa atitude hoje seria descrita como coisa de gente chata, que não tem o que fazer. Isso invisibiliza a luta. Falar de política pode até ser chato, mas é importante. Nem todo mundo tá afim de entreter ou usa as redes sociais, os blogs e a vida para seguir a maré. Nem todo mundo acha que o mundo está maravilhoso e que os problemas que existem se resolverão sem a necessidade de mobilização e se conforma com o que existe à sua volta. Eu não levanto bandeiras porque isso me faz feliz, eu levanto porque acho necessário. E nem toda bandeira que levanto me beneficia diretamente. O feminismo panfletário incomoda? Ótimo, porque é o incômodo que faz as pessoas sairem do seu lugar antes confortável. Move o mundo.
Quem diz que não está em lado nenhum, que não é feminista e nem machista, acaba se tornando machista (no caso das mulheres compreendemos que existe machismo internalizado e que nem sempre isso é fácil de ser dissolvido e que obviamente o machismo feminino não é "pior" que o masculino, como alguns dizem). Porque a neutralidade favorece o lado opressor. Quem se cala contribui para o machismo, e no caso das mulheres, o machismo que muitas vezes elas reproduzem, é o mesmo que as oprimem. Como já diria o ministro Ayres Britto: "A mesma liberdade para cordeiros e lobos é excelente para os lobos".

Escrito por Gizelli Sousa, co-autoria de Elisa Prando, Flávia Simas, Thaís Campolina e Paula Mariá

Edit (08/10/2013): O feminismo é para todas, tanto para nós feministas, como também para as mulheres que negam o feminismo. Entendemos que o machismo feminino não é pior que o machismo masculino, porque as mulheres que o reproduzem são vítimas do mesmo machismo que oprime a todas e quem detém o poder de oprimir nesse sentido são os homens, porque são eles que coordenam as instituições, são eles que são os opressores, de fato.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher: "Sem vocês, nada seríamos"


Acordei cedo hoje e ouvi ao noticiário matinal no rádio do carro. O dia começa mal. O Dia Internacional da Mulher começa muito mal. A cada crônica, a cada mulher que fazia parte do noticiário, começava a rasgação de seda. É um tal de "homens acham que são ciência, mulheres sabem que são arte" ( Jabor, Arnaldo PIG) - Marie Curie mandou beijos - OU então, elogios à essas mulheres inteligentes... Todas alinhadas com os pensamentos dos homens que as elogiavam. Inteligentes ou não, alinhadas ao pensamento deles. Enfim, elogiar, presentear com flores, tudo isso parece bom, mas não é.
Primeiro porque os elogios são direcionados às mulheres que estão dentro dos padrões pré-estabelecidos como certos pelo patriarcado: Reprodutoras, mulheres com jornada tripla, namoradas dedicadas, dependentes. A essas se atribui todos os adjetivos ditos femininos (e que são representados pela flor): docilidade, amabilidade, delicadeza, força de "caráter". Mas cadê os elogios às mulheres que subvertem a ordem? Mulheres trans, lésbicas, vadias, peludas, revoltadas, militantes, sindicalistas, abortistas, rebeldes com armas em punho? Essas se tornam invisíveis ao patriarcado, para essas não existem elogios.
Segundo porque ao final de todos esses elogios, muitas vezes vem a frase: "Sem vocês, nada seríamos". A mulher é tratada como a base para o homem, ele se suporta nela. Quem nunca ouviu aquele ditado (machista e heteronormativo) "Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher"? Esse ditado, reafirma a divisão de público e privado. Sendo que o público é o espaço masculino, o "Grande Homem" é aquele que toma parte na vida pública, enquanto a "Grande mulher" é aquela que se mantém em domínio privado, gerenciando a vida doméstica (mesmo que esta trabalhe fora de casa, a obrigação sobre as tarefas domésticas, de forma geral, ainda recai sobre as mulheres) e a própria imagem, para que o homem seja capaz de ter sucesso em sua própria vida. É a maternidade estendida a todas as mulheres (todas as que não fazem parte do grupo subversivo).
O que esse ditado não diz é que à frente de uma grande mulher sempre tem muitos desafios a serem vencidos. Toda grande mulher da história lutou bravamente contra preconceito, intolerância, desrespeito. Ser um grande homem num mundo que te oferece tudo é fácil. Ser uma grande mulher é muito mais difícil. Grandes homens são sempre reconhecidos pela história e incentivados pela sociedade. Grandes mulheres são esquecidas, apagadas da história, desestimuladas. 
Repetir que "sem vocês, nada seríamos" é uma ofensa. Não nos parabenizam por aquilo que somos, conquistamos e fazemos por nós mesmas, mas por nossa função nas vidas dos homens e pelo que fazemos por eles. As mulheres não vieram ao mundo para dar a luz aos homens, ensiná-los, cuidar deles, ser a base firme para eles. O dia das mulheres é exatamente para lembrar que as mulheres querem existir e agir no mundo com autonomia. É dia de mostrar que as mulheres podem ser muito mais do que reprodutoras, do que cuidadoras e que não precisamos de rosas, nem de elogios vazios. Não precisamos disso. O 08 de março é um dia para incomodar, fazer barulho, buscar uma sociedade mais justa, com menos desigualdades sociais (E o dia da mulher é muito relacionado à questões sociais) e de gênero.

Post escrito por Gizelli Sousa, com co-autoria de Thaís Campolina e Paula Mariá.

terça-feira, 6 de março de 2012

Brainstorm do Dia Internacional da Mulher: O trabalho feminino na história e a luta pelos direitos humanos das mulheres.




A origem do Dia Internacional da Mulher remonta no início do século XX, nessa época, grande contingente de mulheres passaram a incorporar a mão-de-obra industrial. As más condições de trabalho eram notáveis, a duração da jornada de trabalho passava de 14 horas, as indústrias não ofereciam segurança e muito menos conforto para os trabalhadores e a diferença salarial e também de condições de trabalho entre homens e mulheres era imensa. 

Nessa época, as manifestações femininas em prol de melhores condições de trabalho, salários iguais e o sufrágio feminino pipocavam pelos Estados Unidos e pela Europa. As vozes femininas clamavam pelo fim das condições subumanas de trabalho, por salários iguais e também pelo próprio direito de reivindicar.

Mas além das péssimas condições de trabalho e os baixos salários, as discriminações sofridas pelas mulheres iam além. O ambiente do trabalho é um espaço público, domínio definido culturalmente e historicamente como masculino, sendo assim, as mulheres eram consideradas intrusas num mundo de homens.

O trabalho era inevitável para a mulher pobre, mas trabalhar era se adentrar ao espaço público e o estigma de uma mulher trabalhadora nessa época era pesado. Basta perceber a diferença de significados das expressões “mulher pública” e “homem público”.  Enquanto o homem público é aquele que participa ativamente da vida pública, é político e trabalhador, a mulher pública é a prostituta.

O trabalho feminino era repleto de desafios, trabalhar era desafiar a ordem moral da época. Além do estigma da prostituta, mulher fácil, mulher disponível, e as consequências disso, que era lidar com o assédio nas fábricas e nas ruas. As trabalhadoras da época carregavam também o fardo de estar afastadas dos seus filhos, logo do exercício da maternidade. E eram lembradas por toda a sociedade de que eram péssimas mulheres por não se dedicarem integralmente a maternidade. Para a sociedade da época, o trabalho, o afastamento da mulher do espaço privado, era uma ofensa aos bons costumes, a mídia pregava que a mulher deveria priorizar ficar em casa e cuidar dos filhos e também do marido e vinculava o trabalho ao adultério e à prostituição.

A história do Dia Internacional da Mulher começou com a incorporação da mão-de-obra feminina nas indústrias, a luta feminina para sair da pobreza, as manifestações por iguais condições de trabalho e de salários, a luta contra os desafios que a sociedade impôs às mulheres ao julgar a sua moral por causa do trabalho. Mas ainda hoje, a mulher que opta por uma carreira bem-sucedida é julgada por não dar vazão aos “seus instintos maternos” ou por propor uma real divisão de tarefas. Quando uma mulher é promovida, muitas vezes há comentários, mesmo que em tom de piada, que a promoção só aconteceu porque houve um teste de sofá. A idéia de que a mulher pertence ao espaço privado ainda sobrevive e é analisando esses comentários do dia-a-dia que percebemos que a mulher que trabalha ainda hoje enfrenta julgamentos sobre sua sexualidade e a maternidade. Enfim, apesar da equiparação legal de salários entre homens e mulheres, na prática há uma enorme disparidade nos salários, no tratamento e nas oportunidades dadas, principalmente nos casos de mulheres negras e pobres.


Quando penso no Dia Internacional da Mulher, na origem da data e na história das mulheres, eu não penso em comemorações, eu penso em luta! Penso em protestos, manifestações, greves, tudo em prol da busca por mudanças sociais e culturais que promovam de alguma forma a igualdade entre os gêneros e a igualdade social. Destaco essa questão do trabalho, porque apesar do discurso de que não há nada mais pra conquistar, que as coisas agora são como são, é fácil perceber como ainda hoje há muitas disparidades dentro do mercado de trabalho entre os gêneros. Além disso, ao analisar o quanto a visão da sociedade a respeito do trabalho feminino mudou, percebe-se que é possível mudar o pensamento dominante, mas pra isso acontecer é preciso de muita luta, resistência e coragem de todas nós.


As imagens do texto são do filme "Revolução em Dagenham", um filme que relata uma história real de luta das mulheres por direitos trabalhistas ocorrida em 1968 na Inglaterra.

Mulheres negras eram escravizadas e por isso trabalharam desde sempre. Após a abolição da escravatura, mulheres negras trabalhavam bastante para garantir o mínimo. A luta contra as disparidades salariais e contra a divisão sexual do trabalho deve sempre levar em conta a realidade da mulher negra, sem isso, as disparidades de salário e oportunidade continuarão existindo porque a mulher negra sofre uma dupla opressão, sendo assim, sem combater o racismo, as conquistas das mulheres brancas não atingem a mulher negra.